segunda-feira, outubro 26, 2009

De REGRESSO... a uma nova vida, a um novo mundo, com ALMA!!

Aos meus amigos e leitores peço desculpa por esta prolongada ausência. Sinto que vos devo uma explicação. Tentarei ser breve... (tentarei!).

Algures neste tempo de ausência, pensei ter perdido a minha “musa” inspiradora. Mas talvez não, veremos. A mim inspiram-me a paixão , o amor e agora a vida.

Iniciei este blog em 2006 tendo escrito apenas 2 post’s. Em 2007 escrevi apenas 1 post... Ou seja, nestes 2 anos escrevi apenas 3 post’s. Espantoso!

Diria que o meu blog teve um nascimento atrevido, mas rapidamente perceberia que a minha alma ainda não estava pronta para falar, ainda tinha uma alma pequenina. O blog ficou assim embrulhado na esperança de um momento, dum sopro que desabrochasse a minha alma. Eu sabia que esse momento ia chegar...
A esperança, por vezes, não permite que desistamos das coisas, talvez por isso este blog nunca tenha sido completamente destruído, desactivado, desconectado...
Em Março de 2008, parece que esse tal momento aconteceu. Março de 2008 - não há coincidências...
Por esta altura comecei a viver um amor apaixonado. Estava a respirar o ar que me inspira: Paixão, Amor e Vida...

Tanto ar inspirador poderia ter-me sufocado as palavras, mas não, soltou-as... Escrevi e publiquei aqui sem qualquer tipo de complexo literário. Não sou poeta, nem poetisa... muito menos escritora. Tenho apenas jeito para escrever, dizem. Eu também acho, embora conheça as minhas limitações, que são tantas, tantas... mas ousei escrever. Escrevi o que me passava pela cabeça e pelo coração. Agora escreverei também o que me passa pela alma, se conseguir. Não é fácil...

É difícil descrever o que me vai na alma. É tão complexo o que sinto, que no fim de uma frase, parece que ficou alguma coisa por dizer. Mas não sei o quê. É como aquela gota de vinho no fundo de um copo... é isso que me falta, espremer o copo para cair a última gota! (talvez esta seja uma tarefa para o leitor)
A alma não se entende, vai-se ouvindo e tentando conhecer... Diria que a alma é um espaço encantado onde a cabeça e o coração se sentam para conversar... Mas a cabeça e o coração estão tão distantes, que o que se ouve por vezes, são ecos perdidos neste espaço imenso... Foi isso que aconteceu nesta minha ausência, estive a ouvir atentamente os ecos e os silêncios.

O silêncio não é fácil de ouvir, mas é nele que se escutam subtis sinais que nos despertam para a vida. Terei eu despertado? Terei ouvido alguma coisa no silêncio? Não sei...
Quando a alma está pensativa, parece que fica sem palavras, não fala. É como nós, quando estamos pensativos ou preocupados, não falamos. A alma somos nós longe do mundo, somos nós, mais próximo de nós. Por outras palavras; a alma é o meu “eu” longe do mundo, mas muito próximo de mim. (Não sei se me fiz entender, talvez não).
Estes meses estive a recuperar da perda de um grande amor. Na verdade, não foi um amor perdido, foi um amor encontrado e foi esse o problema. Mas não vale a pena querer esquecer, porque isso só nos cansa. Estes amores nunca se esquecem. Definitivamente, não foi um amor que passou, foi um amor que ficou e ficará sempre, embalado na minha alma. Não poderei dizer que este foi o meu primeiro amor, mas poderei afirmar que esta foi a minha primeira alma metade. Foi uma relação intensa, que me deslumbrou e me fez sonhar. Fez-me acreditar em impossíveis. Fez-me perceber que a liberdade total só se consegue entre duas almas que se entregam totalmente uma a outra. Senti-me verdadeiramente livre, sei que as nossas almas foram livres juntas.

És por isso a minha alma metade... percebes? A alma metade, que encaixou perfeita na minha, como a peça de um puzzle. É a ausência deste encaixe perfeito que me fragiliza, que me deixa incompleta, que me quebra! Atenção que eu estou a falar de almas, às vezes as nossas almas metades estão em “embalagens” muito estranhas! Mas a embalagem é importante? Para a minha história, acabou por ser o mais importante. Os nossos estilos de vidas eram tão diferentes... desde sempre soubemos isso. Bastava olhar para nós e ninguém diria que tínhamos uma relação. Éramos mesmo muito diferentes! E isso protegia-nos! Por outro lado, separou-nos.
O medo é terrível e a culpa também! O medo e a culpa juntos, são um pesadelo que ninguém quer viver. E tu carregavas esses dois monstros dentro de ti. O meu amor não tinha força suficiente para lutar contra isso. E quando eu te dizia que o meu amor era grande, não te mentia, o teu medo e a tua culpa é que eram maiores. Asfixiavam o teu amor e tu deixaste.
Faltou-te a coragem meu amor, faltou-te tudo naquele momento, menos o medo. O medo possuiu-te e devorou-te, levou-te de mim, triunfante... O medo e a culpa pesavam-te nos ombros, eu percebi isso. Mas o amor não nos deve pesar, deve elevar-nos... O nosso amor era elevado, e eu não queria outra coisa para nós. Parti contrariada. Partimos, sem palavras que falassem de despedida, essas palavras não existem para nós.

Lutei sempre a olhar nos teus olhos, para que me visses e me sentisses ao teu lado. Para que acreditasses e confiasses em nós. Mas nesta altura estaria o teu olhar muito longe do meu. Só olhavas para o medo. Quando olhamos muito para o medo, ele acaba por retribuir o olhar... ele olhou para ti e intimidou-te, tocou-te no ombro e sussurrou-te ao ouvido algo que virias a cumprir! Medo-1; Amor-0.
Foi aqui que a revolta me veio possuir... De facto, o amor pode unir o impossível, mas há muitas forças mesquinhas que o detroem facilmente. A minha revolta é esta! Sempre acreditei que o amor fosse a maior força do mundo, agora desconfio que não seja, ou o nosso amor afinal não era assim tão forte. Não sei, sei o que significou para mim, sei até onde lutei por ele. Sei porque baixei os braços - o teu querer desistir, falou mais alto que o meu querer lutar.
Parece-me que esta relação acabou à força, independentemente do que as nossas almas e corações sentiam. Não encontro razão para dizer que este amor acabou. Mas encontro várias para dizer que ficou...

As almas, digo-vos, que têm muita força. As almas não precisam do corpo para se encontrarem. Por vezes sinto a tua alma presente, sinto-lhe o perfume, sinto que passa e me arrepia. A tua alma ainda vem ter com a minha, caso não saibas... É nestes encontros que sinto que tenho alma. Sinto-te comigo, mas numa outra dimensão. É confuso...
Na alma, a dor e o prazer também se sentem de uma forma mais profunda, dentro do peito, dentro de nós... depois parece que se liberta do corpo e nos abraça! No prazer, esta sensação é muito boa, na dor... é “muito péssima”!
É isto ter uma alma. É uma coisa cá dentro que nos faz sentir mais refinadamente as emoções, é dentro da pele.
Confesso que pensei que alma fosse uma palavra bíblica, ou poética. Não é, a alma existe mesmo.

Descobriste a minha alma para mim, e isso agradeço-te. Uma alma que estou a aprender a conhecer, uma alma cheia de conhecimento! Conheci o amor e a felicidade... Atrevi-me a olhá-la nos olhos durante muito tempo, sabendo que esse tempo passaria. O tempo de facto passou, mas a lembrança desta felicidade não passa. Tive medo de ser feliz, tive muito medo. Tu sabes isso! Mas atrevi-me! Sofro as consequências do meu atrevimento, sofro! E bem! Já pensei que a vida não faz muito sentido... mas teremos que a tentar compreender melhor, ou desistir de a compreender, ainda não sei o que será mais correcto.

Por vezes penso que se voltasse atrás, mudava tudo só para evitar este sofrimento. Depois sinto que é uma tremenda estupidez pensar tal coisa. Não deixaria de viver esta felicidade por nada! Devemos dar valor aos momentos bons, são tão raros. Algumas pessoas nem sabem o que é um grande amor, tão pouco o que é a felicidade. Eu agora sei o que é isso, sou uma previligiada!
Este amor era inevitável, foi inevitável! Portanto, por mais que eu voltasse atrás para o evitar, sei que iria acontecer.

Vivo agora sem “nós”. Vivo sozinha. O nosso amor já não me faz companhia aos serões. A minha alma está solitária e triste. Mas eu estou como sempre, alegre! Finjo que estou bem sem ti... minto-me! Não se consegue mentir à alma, mais facilmente se consegue distrair. Eu tenho estado a distraí-la, tem sido impossível enganá-la!
Um dia, gritei a mim mesma que a vida é assim. Conquista-se e perde-se! Vivo agora uma grande derrota, mas foi também uma grande conquista! Diria que foi uma batalha espantosa!!
Terei que viver sem ti, um dia a seguir ao outro, novos dias. Dias tão diferentes - por pintar! É uma questão de hábito... Mas não me habituo!

Uma manhã, dei por mim a sentir que não estava a viver um novo dia, estava a viver num novo mundo!

Terei que morrer para voltar a viver neste novo mundo... Morrer agora é difícil porque venho do mundo onde me senti realmente viva...

Num milagre da vida, terei que renascer, com novas asas, para novos voos... Pelas minhas mãos...

Serás sempre um pó mágico nas minhas asas, aprendi contigo que as asas servem para voar.

Um abraço a todos os que ouvem os meus silêncios.

AS

terça-feira, março 17, 2009

MARCELO e os 5 minutos!



O Marcelo era um menino muito inteligente. Tinha o seu dia muito bem programado, desde o acordar ao deitar.. Quem reparasse no Marcelo, percebia que ele era um menino especial. Muito bem organizado e responsável, sabia o que queria e o que fazer para atingir os seus objectivos. Era perspicaz. Todos o admiravam, os professores e os seus colegas.


Todos os dias à noite o Marcelo escolhia a sua roupa para vestir no dia seguinte. Às vezes pedia ajuda à mãe, mas era raro. De manhã, o despertador tocava cedo, Marcelo acordava, espreguiçava-se… e virava-se para o outro lado mais 5 minutos!! Incrível! Quem soubesse disto, diria que o Marcelo era um preguiçoso de primeira! Mas não. Ele precisava destes 5 minutos, como precisava te todos os outros que vinham a seguir; dos 3 minutos para fazer o seu xixi e olhar o espelho, dos 10 minutos para se vestir, dos 8 para tomar o pequeno almoço, de 2 para lavar os dentes, de 1 para confirmar se tinha tudo na mochila e o último minuto era para dar um beijo e um abraço à sua mãe, antes de sair de casa… Mas antes destes minutos todos, Marcelo precisava daqueles 5 minutos! O Marcelo, sabia muito bem quanto tempo duravam estes 5 minutos, tal como sabia quando já se estavam a esgotar os restantes! Sabia quase ao segundo quando terminar uma tarefa e iniciar a outra. Num ápice, ao fim dos tais 5 minutos, Marcelo saltava da cama e continuava as suas tarefas, sempre atento ao tempo que fugia dele...


Os 5 minutos do Marcelo eram só dele, nem eram do tempo, nem do espaço, eram 5 minutos contados no relógio da vida. Era outro relógio que marcava estes 5 minutos, era um relógio sem ponteiros, nem de horas, nem de minutos. E nunca, nunca o Marcelo perdeu estes 5 minutos da vida!


Marcelo passava este 5 minutos com os olhos bem abertos, às vezes olhava pela janela, por onde fitava os raios de luz, ou perseguia uma gota de chuva a escorrer pelo vidro. Outras vezes, fixava os olhos no tecto, sempre bem abertos! Nestes 5 minutos ele planeava o seu dia, pensava muito bem em cada passo. O que tinha feito ontem, o que tinha que fazer hoje, como ia reagir a isto, como devia dizer aquilo... (Deduzo que o Marcelo só precisasse de 5 minutos porque ainda era uma criança, eu talvez precisasse de uma hora para planear outra hora...)


Era por causa destes 5 minutos que o Marcelo era um rapaz tão especial! Tão organizado! Impecável! Muito admirado pelos adultos! Que espectáculo de menino que era o Marcelo, nunca falhava pá! Irritava pela perfeição! Ele sabia que o admiravam, orgulhava-se disso, e por essa razão sempre se esforçou para manter este comportamento, era um compromisso com ele próprio! Não podia desiludir ninguém. Antecipava tudo, sabia a respostas todas na ponta da língua, andava sempre à frente dos outros, era aquilo a que eu chamo “chico esperto”. Eu não gostava muito do Marcelo, era irritante! Embora não fosse um miúdo muito convencido, a sua presença já me incomodava. Era o menino lindo, o menino prodígio, o menino perfeito, o exemplo a seguir, o menino de oiro… Bolas, Marcelo! Éramos todos crianças... e tu?


Um dia perguntei-lhe como é que ele conseguia ser assim, tão irritante!! E ele respondeu com um sorriso terno “...e só tenho 5 minutos, imagina se tivesse a vida inteira…” Na altura não percebi, só pensei que o gajo era parvo pela forma como respondia, era mesmo para eu não se perceber! Ou era eu que era mesmo burra? Não… era o gajo que era mesmo inteligente! Que raiva! De súbito pensei que o Marcelo estava doente e ia morrer em breve… só tinha 5 minutos, não tinha a vida inteira?!? hã?… Que disparate! Lembro-me de ter encolhido os ombros e não ter pensado mais nisso. Dali até à sala de aula o pensamento foi constante; "este puto é parvo, parvalhão… irritante! mas o que é que ele disse?!? ai que estúpido!! foi para me fazer de parva, claro! e depois aquele ar meigo... "nhãnhãnhã...", só mesmo ao estalo..." finalmente devo ter entrado na sala de aula porque não me recordo dos meus restantes desaforos.


O Marcelo era misterioso, e isso de alguma forma encantava-me e atraía-me para ele, portanto, não sei se gostava, se desgostava. Sei que não me era indiferente, isso não era!


Certo dia, o Marcelo chegou atrasado às aulas. Nunca tal tinha acontecido! A agitação e preocupação era geral, onde andava o Marcelo? Quando chegou, 5 minutos atrasado, entrou de cabeça baixa, pediu desculpa pelo atraso e sentou-se no seu lugar. Estava ofegante e muito rosado, suado... descomposto! Um silêncio sepulcral instalou-se na nossa sala de aula. Ficámos à espera da justificação… Nada! A professora também não pediu satisfações, mas olhou de soslaio para ele. A nossa curiosidade estava ao rubro mas ninguém falou! Ninguém falava muito com o Marcelo, tinhamos vergonha, porque ele era um ser superior a nós. Mas brincava connosco, não era excluido, nem pensar! Gostavamos da companhia dele, jogava bem à bola, tinha estratégia de jogo! Tinha ideias! Ele não era um lider, mas era aceite e respeitado por todos. Estava sempre ao pé de nós no recreio. Mas não neste recreio...


Neste recreio, ele afastou-se de todos, e foi para as escadas de pedra fria, onde se sentavam os rejeitados, aqueles putos que não brincam, que não falam, que não nada! Desinteressantes… Ali estava o Marcelo num lugar que não era o dele! Que imagem arrepiante… saí do meu jogo (aliás, da baliza!) e fui ter com ele...


- Que se passa Marcelo? Estás bem?
- Não se passa nada de especial, ‘tá tudo bem!
-Estás estranho! Chegaste atrasado, cabeça baixa, não falas, não dizes nada…
- Hoje perdi os meus 5 minutos! Mas não me apetece falar sobre isso – disse com um ar de culpa e de tristeza que nunca tinha visto naqueles olhos.
- E 5 minutos é assim tão importante? Credo, Marcelo…. Atrasaste-te 5 minutos, paciência! Adormeceste, foi?!
- Sim, adormeci...profundamente! Perdi os meus 5 minutos!


Porra, outra vez os 5 minutos??! Não há paciência… Que este gajo é mesmo irritante, caramba! 5 minutos, 5 minutos… Bem, tinha que ir para a baliza que estava completamente aberta... na minha baliza não entravam golos!! Ia levantar-me quando o Marcelo recomeçou o discurso;


- E ainda bem que perdi estes 5 minutos... percebi que ganhei os outros todos! - voltei a sentar-me ao seu lado, só por curiosidade - Sabes Ana, os meus 5 minutos eram para programar todos os restantes. E por isso eu era certo como um relógio, por isso eu tinha a resposta na ponta da língua, por isso eu não falhava… Hoje, adormeci durante os meus 5 minutos e não programei nada, de nada! E estou aqui, sem saber o que fazer hoje, o que pode acontecer, o que me podem perguntar, o que devo responder, quanto tempo já perdi, para onde vou… Estou desorientado, percebes?! Sinto-me sem chão, sinto que não controlo nada e que posso falhar e decepcionar as pessoas que me admiram. Eu não quero falhar, mas apercebo-me agora que quero viver… Repara, só estou há 3 horas sem ter a vida programada e já viste o que aconteceu?! Olha, não me despedi da minha mãe e só me lembrei disso no caminho; perdi o autocarro do costume e como o revisor não me conhecia tive que mostrar o passe que não encontrava em lado nenhum, nem na carteria, nem no bolso das calças... estava a ver que não o ia encontrar e comecei a transpirar de vergonha, toda a gente a olhar para mim! Depois lá encontrei o passe e fui sentar-me, olhei em frente e quem estava sentada mesmo nas minhas barbas?! A Catarina! A miúda do 6ºC, tu sabes... não tirou os olhos de mim e eu já me sentia a corar e com o coração ao saltos! Depois aproveitei que apareceu uma velhota e dei-lhe o meu lugar para sair daquele desconforto. Fiz uma boa acção! (sorriu com ironia) Finalmente, saí do autocarro, vim a correr, a correr para ver se conseguia chegar a hora, mas não! os ponteiros do relógio parece que corriam comigo! ...ai, que desespero! (esfregava a cabeça e despenteava o cabelo!) Ainda por cima, chego e sinto os vossos olhos a saltar para cima de mim e eu sem justificação! Comecei a rezar para a professora não me perguntar nada porque nem sequer tive tempo para pensar numa resposta inteligente… espera, estou sem fôlego! (até eu, estava sem fôlego só de o ouvir!) Como se não bastasse, reparei agora que não pus o meu lanche na mochila… Estou ansioso, irritado, angustiado... o meu coração bate, bate, bate...

- Bem... grande aventura Marcelo!! - disse eu com ironia!

Quantas vezes o meu lanche ficou em casa, quantos autocarros perdi, quantas vezes tive que gramar o parvalhão do Miguel no autocarro! E quantos milhões de vezes não me despedi da minha mãe antes de sair...


Mas quando olhava para os olhos do Marcelo, e para a forma como ele se despenteava todo, percebi que estava mesmo proecupado e assustado. Estava mesmo a viver aquele momento com muita intensidade... fiquei mais séria, verdadeiramente interessada e atenta ao que dizia.


- Pois... isto está a ser uma aventura! Posso dizer que já vivi mais emoções nestas 3 horas que no resto da minha vida! Percebes? E concluo, que afinal foi bom perder os meus 5 minutos! Embora não me sinta tão seguro, sinto-me... vivo! Mais autêntico! Fico sem saber o que faça. O que quero!? Viver uma vida segura, ou viver uma vida cheia de emoções, receios, surpresas, medos... respirar ofegante, correr, desesperar... Percebes, Ana?!


Eu percebi tudo. Mas fiquei sem palavras!


Neste recreio bebi as palavras gagas e ofegantes do Marcelo. Ai Marcelo, como me apeteceu abraçar-te neste momento! Que lição me deste para a vida por causa dos teus irritantes 5 minutos!


A partir deste recreio, o Marcelo tornou-se para mim um rapaz espectacular, embora para as pessoas em geral tenha perdido qualidades… Ouviamos dizer que era da minha má companhia…enfim, a Ana era sempre a má da fita! Riamos disso, porque só nós os dois sabiamos o que se passou. Crescemos os dois juntos no mesmo salto, naquele momento. Foi um salto para a vida...


Ninguém soube a história dos 5 minutos, o Marcelo achava a história dele tão ridícula que nunca me permitiu que eu a contasse… E eu percebia perfeitamente o Marcelo, por outro lado acho que as pessoas deviam perceber o que é vida, desta forma simples, por outro, éramos muito jovens, os nossos colegas não entenderiam. Jurei o meu silêncio! Hoje quebro este juramento ao partilhá-lo connvosco. Também o faço porque será muita coincidência que o Marcelo leia isto, perdemo-nos um do outro no tempo... não na vida!


Convivi com o Marcelo até ao 12º ano. Ele tornou-se aquilo a que se chamava um “estroina”… mas era um estroina com um brilho nos olhos! A mãe dele andava mais preocupada, mas até as aventuras e desventuras do Marcelo alegravam a sua vida! Às vezes, apercebia-me que volta e meia o Marcelo usava os seus 5 minutos! Mas não deixava que controlassem a sua vida, ele já sabia usar esse tempo a seu favor. Foi por esta altura que pensei que o Marcelo era realmente inteligente. Foi por esta altura que me deixei fascinar, não digo que me apaixonei, mas o Marcelo encantou a minha vida.


Às vezes, quando o achava mais desconcentrado, irritado, desorientado, dizia-lhe na brincadeira: “Marcelo andas a precisar de perder 5 minutos de vida!”. Ele ria-se!


Eu aprendi que há o meio termo. Às vezes tiro 5 minutos ao meu relógio para programar a minha vida.


Hoje acordei precisamente 5 minutos antes do despertador e não soube o que fazer com este 5 minutos a mais. Não me apeteceu programar nada, não consegui adormecer, muito menos sonhar… Pensei em ti Marcelo, durante 5 minutos inteirinhos!


Dedico-te os meus 5 minutos! Não programei nada para hoje, a não ser escrever-te para agradecer os 5 minutos que passamos neste recreio.


Obrigada, Marcelo!

sexta-feira, março 13, 2009

A culpa pode ser Dele...

Talvez um dia, quando Adão e Eva perceberem que a nudez era o seu escudo de protecção, o mundo voltará a ser o paraíso, e a maçã deixará de ser o fruto proibido e passará a ser um fruto doce e suculento, que alimenta o corpo e a alma.

Algures no tempo, longínquo e possivelmente inexistente, alguém cometeu um terrível erro. Mas quem? questiono-me…


Ora pensemos:

A culpa foi da cobra que convenceu Eva a comer o fruto proibido; foi da Eva porque o comeu, e sarcasticamente convenceu Adão a fazer o mesmo; ou foi do inútil do Adão que não impediu que Eva comesse o fruto, com a agravante de ele próprio o ter comido; ou ainda, pasmem-se as almas religiosas (como a minha)… a culpa foi de Deus?!

Vejamos:

Quem criou a cobra? E a Eva? Quem se lembrou de lhe arranjar um cúmplice, arrancando-lhe uma costela? E para terminar em beleza, quem criou o jardim cheio de árvores de frutos vermelhinhos, hoje em dia com o nome de maçã, naquele tempo, com o nome de “fruto proibido”?!?
Mas o que é que Deus estava a espera?! Parece-me que Ele criou tudo de forma a que o livre arbítrio fosse um fracasso, ou não? Estou enganada? Estou a perder a minha fé, a minha religiosidade, a minha crença? Ou estou a ver as coisas como elas são? Nuas e cruas?! Porque é que não se culpa Deus? Porque é que Deus só nos serve nas horas de aflição, nas horas de sofrimento? Porque é que a culpa nunca é de Deus mesmo quando nos leva cruelmente um ente querido que devia estar ao nosso lado, porque é que tudo de bom é “graças a Deus” e tudo de mau “ é a vida…” ?!?!

Vejamos novamente:

(naquele tempo, obviamente houve uma conversa que poderá ter sido a que vos apresento a seguir. Desta conversa não há testemunhas porque Deus só tinha criado 3 seres; uma mulher, um homem e uma cobra. Deste momento, nada ficou registado e comprovado, porque as mulheres são mentirosas, os homens não percebem o que se passa à sua volta, e as cobras, enfim, são animais irracionais e não falam. Pelo que, cada um pode pensar o que quiser da conversa entre Deus, Adão, Eva e a cobra. E porque não poderia ter sido assim?)

“Naquele fim de tarde, Deus aproximou-se de Adão e Eva e disse:

- Reparem na minha última criação! Estão a ver ali ao fundo, no vale? São árvores, criei-as para vos dar sombra, para vos proteger do sol que queima a vossa nudez. Não são lindas?

- Oh meu Deus, como és bondoso! Estás sempre a pensar em nós, ofereces-nos coisas maravilhosas – disse Eva, enternecida de gratidão.

- Mas atenção! – disse Deus – criei aquelas árvores só para vos dar sombra, nada mais! Não sei o que se passou, mas ao inventar as árvores aparecerem aquelas coisas vermelhinhas. São venenosas não se atrevam a comer, senão morrerão! Até que vos diga, por favor não se atrevam a comer daquilo. Parece perfeito, parece comestível, mas não é! Será o fruto proibido!

- Não te preocupes Deus, se nos mata, não nos atreveremos a tocar-lhe sequer! – disse Adão com confiança e firmeza. Naquele tempo, apesar de não se saber o que era morrer, Adão percebeu que era alguma coisa de muito mau. Tendo em conta que eles estavam no Céu e o Inferno ainda não existia, se morressem não saberiam muito bem para onde iriam, foi talvez o medo do desconhecido que assustou Adão.

Deus deixou Adão e Eva a contemplar a nova paisagem, e voltou para o seu castelo. Palácio? Nuvem? Céu? Bem, para o seu canto! Adão e Eva foram passear pelo jardim

- Anda Eva, vamos ver as árvores e sentir a sombra. Deus é realmente magnífico!

Deitaram-se por baixo de uma árvore, deram as mãos, e a sombra caía-lhes em cima do corpo, dando uma sensação de frescura e alívio da pele. Estavam felizes com a sombra, a criação de Deus revelava a sua imensa inteligência e bondade. Reparavam como os raios de luz passavam entre os ramos das árvores e desenhavam feixes de luz laranja nos seus corpos. Tentavam apanhar essa luz no corpo um do outro e divertiram-se durante um bom tempo, até que, exaustos voltaram a ficar quietos. Naquele tempo, ainda não existiam os preliminares, mas Adão e Eva revelavam grandes potencialidades. Os preliminares revelaram-se ser uma brincadeira muito cansativa e sem o efeito pretendido, razão pela qual Adão se aborreceu com a brincadeira, tendo sido esta prática abandonada desde então. (Obrigada Adão!)

- Já reparaste Adão, como aquele fruto vermelho é lindo? Não parece ter nada de venenoso, antes pelo contrário, até parece mesmo apetitoso! Vamos provar? Só uma dentadinha…

- Nem penses Eva! Deus disse que podíamos morrer, seja lá isso o que for, eu prefiro estar assim como estou! Deixa lá… esse fruto é proibido! Não sejas atrevida! Mas olhando bem, realmente o fruto até parece que nos faz água na boca, é melhor nem olharmos para ele.

- Tens razão, vamos embora e não olhemos mais para esse fruto até que Deus nos diga que já corrigiu o seu erro! – disse Eva.

Mas a sombra sabia tão bem, que acabaram por ficar ali mais algum tempo a contemplar o erro de Deus, porque é que era venenoso? Como é que Deus se enganou nessa criação, nem parecia dele… E se venenoso fosse uma coisa boa e eles perceberam mal? Um fruto assim tão bonito, tão apetitoso, parecia tudo menos venenoso! E assim nasceu no paraíso, aquilo a que hoje chamamos especulação!

Quando a especulação chegou ao fim, Adão deu a mão a Eva e levantaram-se para ir embora, a sombra também já não estava a ser tão agradável quanto isso… Já estavam os dois em pé, quando de repente aparece uma cobra que lhes disse:

- Vosssês vejam lá, não sssse atrevam messsmo a comer essssse fruto! Olhem que bassssta uma dentada para ficarem com a messsssma inteligência de Deus. Depoisssss não sabereisss o que fazzzzer com tanta inteligênccccia e ficareis loucos para sempre!

- Oh, ser inteligente como Deus! Que presunção! Mentes, cobra maldita! – Eva, ficou pensativa no que a cobra lhes disse. Ser inteligente… ela gostava de ser inteligente, mas não era preciso ser taaão inteligente como Deus, só um bocadinho… Talvez só uma dentadinha não fizesse mal… Ficava inteligente e mas não ficava louca! Naquele tempo a inteligência ainda não existia, mas Eva já revelava ser um ser com potencialidades!

- Eva, já te conheço, vamos aproveitar que já estamos em pé e vamos embora! É melhor sairmos debaixo desta árvore, deixa lá a sombra e fruto! Olha que nos arriscamos a levar com o fruto proibido em cima e ainda nos acontece alguma desgraça. Não queremos que Deus fique triste connosco! – disse Adão assustado.

Naquele tempo, ainda não existia a cobardia, mas Adão já revelava grandes potencialidades! Também foi Adão, que descobriu a teoria da gravidade, ao pensar que a maçã podia cair da árvore, mas foi Newton que patenteou esta ideia. Naquele tempo, ainda não existia raciocínio prático e lógico das coisas, pelo, se justifica que as potencialidades de Adão fossem nulas.

No meio de tanta potencialidade, Eva deu uma dentadinha na maçã, Adão foi levado por Eva e deu outra dentadinha na maçã (mais pequena, porque lembrem-se que tinha grandes potencialidades para a cobardia) e a cobra foi à sua vidinha…

E assim foi, Eva comprovou o que a cobra lhes dissera. Eva ficou inteligente, Adão, sofreu as consequências da sua miserável cobardia, pois nunca chegou a ficar inteligente, e ambos ficaram loucos para sempre!”

Esta poderia ter sido a história, que na realidade, não está longe da que é usualmente contada pelos contadores de histórias.

Agora as (minhas) questões:

Afinal, para que é que Deus foi criar a maçã? E porque lhe chamou o fruto proibido? Para que é que ele criou algo que era proibido, caramba??! Para quê?! Para testar a sua obra humana? Fez-nos um teste, com uma crueldade atroz! Mas de que é que ele estava a espera? Reparem; inventa um fruto demasiado apetitoso, mas é proibido. Para os levar até ao fruto, diz que inventou a sombra, e ainda por cima, como se não bastasse inventou a cobra! Qual era o teste afinal, e onde está aqui o livre arbítrio? É que com tanta invenção, tantas condicionantes, tantas merdas… o livre arbítrio deixou de existir, ou foi-lhes roubado! Houve obviamente um mau encaminhamento propositado! Senão, reparem na cereja em cima do bolo; para quê a cobra no fim de tudo, se eles já se iam embora sem comer a maçã…

Isto revolta-me. Mas atenção que há a possibilidade da história não ser nada assim conforme contei. Mas há essa possibilidade… É sobre esta possibilidade que estou a raciocinar.
No meu entendimento, Deus consegui errar duas vezes! Ou três… Primeiro criou um fruto proibido, depois criou humanos fracos, curiosos e desconfiados, tão desconfiados que foram provar o fruto! E porque é que eram desconfiados? Porque na realidade Deus não era de confiança, na verdade foi ele que introduziu no Paraíso um elemento podre!
Mas atenção que Deus ainda teve um momento de glória, porque se arrependeu do seu erro, e assumiu-o!
Passado uns anos, Deus arrependeu-se da sua obra e inventou o Dilúvio… Mas atenção que antes do dilúvio, ainda houve muitas desgraças; irmãos que mataram irmãos, guerras violentas, pragas, fogos, invejas, mentiras, traições… tudo igual, ao que vivemos hoje. Depois de tudo isto é que Deus se arrependeu, este arrependimento não terá vindo tarde demais?

Deus afinal é humano e nós feitos à sua imagem!
E afinal, quem nos criou assim, fracos e pecadores? Quem inventou o pecado… e quem nos deu acesso a ele?
E se ninguém pecasse, qual era a piada de andar neste paraíso de vida?!
E o que é que Deus está a fazer neste momento? Porque é que Deus não vê as guerras violentas, as crianças que morrem de fome, as suas mães que não as conseguem salvar, a ijustiça, as mães que matam os pais, os pais que matam os filhos, as depressões, o aquecimento global, a loucura… tudo! É que olhando à nossa volta, o mundo está assim! Para que canto do mundo Deus tem o seu olhar virado, caramba?!

É certo que o livre arbítrio somos nós que o escolhemos, temos que lutar pelo que queremos, temos que escolher os caminhos certos e evitar os errados. Mas porque é que os caminhos errados parecem os certos, e os certos parecem errados? Quem anda a brincar connosco? E quem é o Diabo? será a parte menos inteligente de Deus, aquele que falha?
Todos nós temos um lado negro! Todos nós erramos! Todos nós pecamos e nisso somos iguais… E o que seria da nossa vida se não pecássemos? A vida já é um inferno, o pecado será o nosso pedaço de céu! Só quando pecamos estamos felizes, obviamente que não estou a falar dos pecados capitais! Estou a falar do pecado de saborear uma simples maçã, que não mata, só nos adoça a boca, sacia a fome, mata a sede, e enfim… aparece simplesmente nas árvores que Deus criou!

Senhor, eu pequei, eu comi, eu alimentei-me, eu saciei a minha sede durante os breves segundos em que saboreei o pecado que me ofereceste. E só por causa disso, pelo prazer, pelo gozo, pela paz, o pecado valeu a pena.
Não sinto culpa, não sinto que errei, sinto apenas, que se não tivesses criado a maçã, a sombra e a cobra, e esta minha fraqueza...a culpa poderia ser toda minha! Assim, partilho-a contigo.

Será por isto que és infinitamente bom? Porque não permitiste que a culpa fosse só nossa? Porque carregas connosco as nossas culpas?

Obrigada Meu Deus, por todo o teu altruísmo...


Sim, a culpa é de todos! A culpa do bem e do mal é Nossa!

PS - Já agora, sugiro que comecem a imaginar Adão e Eva sem umbigo. Já que foram gerados por Deus, para quê o umbigo?! Nunca vi nenhuma representação relegiosa que omitisse o umbigo. Onde andava a inteligência artistica? Ou será que a presença do umbigo é uma afronta dos nossos antepassados que sempre duvidam que o Homem tenha sido criado por Deus? (isto dava mais pano para mangas... fiquemos por aqui)

Deixo-vos um poema, que me caiu nas mãos. Deliciem-se pecadores...

Deus é maneta
diz Saramago
só tem mão direita.
à direita da qual todos se sentam.
Eu canto a outra mão de Deus
a que traz o Diabo pela trela
a que por vezes puxa para o outro lado
e escreve sempre por linhas tortas
a mão esquerda de Deus
a mão de sombra
a mão do medo
a mão do nada
a mais perigosa mão de Deus
aquela que de repente solta o espírito
o enxofre a guerra o vento mau.
É a mão esquerda de Deus que aperta o coração
acelera o pulso
desarticula o ritmo.
Os poetas estão sentados à esquerda
da mão esquerda de Deus
até mesmo Antero.
É com ela que Deus abana o Mundo
com sua chuva e com seu fogo
sua onda gigante e seu terrível
terramoto.


Não é verdade que Deus seja maneta
Deus é canhoto.


Manuel Alegre "A perigosa mão de Deus"


sexta-feira, março 06, 2009

A CRIANÇA QUE NOS HABITA

Chegamos a adultos sem dar por isso. Ainda ontem era uma criança, dei um salto por cima de alguma coisa que desconheço, e subitamente olho para mim e sou adulta! É um processo radical, talvez comparável ao nascimento, em que, sem darmos por isso, ao passar por um canal de luz, passamos de seres não identificados para gente pequenina!

Alguns de nós fomos adultos à força e sem darmos por isso, esquecemo-nos da criança que fomos. Perdemo-nos dela no percurso da vida, na realidade, abandonamo-la algures.

Disseram-me no outro dia, que as crianças despertam em nós um sentimento de ternura e protecção, que os adultos não despertam. Eu compreendo isso. Mas talvez isto aconteça a pessoas que estejam habituadas a trabalhar com crianças diariamente. E as que não estão? É natural que um adulto desperte em nós esse sentimento de ternura, protecção e carinho incondicional, certo?

E depois pensei, realmente quando sinto isto em relação a um adulto é porque me dou conta que dentro desse adulto habita uma criança, dentro desse adulto há qualquer coisa de frágil e sensível, de pureza e de inocência. E quando encontramos esta criança dentro dum adulto, há então espaço para sentirmos vontade de o proteger, de o mimar e confortar. E sem nos apercebermos disso o nosso abraço conforta essa pessoa, como o abraço de um adulto, conforta e protege uma criança. É indiscutível… Penso até que esta manifestação de protecção e carinho é comparável ao amor.

Parece mágico um abraço assim, não sei se já experimentaram; um adulto que abraça a criança que habita no outro adulto; a criança que nos habita que é abraçada por um adulto; e melhor que tudo, duas crianças que habitam dois adultos que se abraçam perdidas, e se sentem protegidas.

Para experimentar esta sensação, basta encontrar no outro a criança que o habita, basta encontrar em nós a criança que fomos e mostrá-la sem receio da sua fragilidade e inocência.
As crianças são todas inocentes, não fazem juízos de valor, é por isso que no seu abraço não há avaliação disto ou daquilo, é apenas um abraço que tranquiliza e dá paz no meio da guerra dos adultos.
E este abraço é tão bom!

Era este o nosso abraço, quando conseguíamos ver as crianças que nos habitavam. Elas continuam cá, eu sei, eu sinto.
O mundo dos adultos é que nos cega, rouba-nos a esperança que se tem sempre que vemos uma criança...

Uma criança dá-nos esperança. Não percas a tua, não percas a minha...

Despeço-me...

O nosso abraço, puto!


quinta-feira, março 05, 2009

SAUDADES… (o que é isso?)

Sempre ouvi dizer que a palavra “saudade” não tinha tradução nas outras línguas. Talvez não tenha definição, nem entendimento, daí a dificuldade de tradução.
Para mim torna-se difícil definir, ou fazer com que entendam o que eu sinto quando digo “tenho saudades…”

Na verdade, nem eu sei muito bem o que são saudades… Saudades daquele tempo, saudades de alguém que partiu, saudades de alguém que não chega, saudades da comida da avó… Conseguimos dizer que temos saudades de tudo e mais alguma coisa, inclusive, de cheiros, sabores, paisagens, momentos, toques…

Depois existem outras palavras, como nostalgia, saudosismo, melancolia que tem uma carga de saudade, mas é uma saudade de profunda tristeza. Nem sempre sinto essa tristeza, algumas saudades fazem-me sorrir.

E aquelas saudades que nos perseguem? aquelas que não queremos sentir mas sentimos, aquelas que quanto mais queremos esquecer, mais se lembram de nós! Aquelas saudades irritantes! Aquelas que já nem são saudades, são um género de beliscão na carne, são aquelas que parecem um estalo na cara, são aquelas saudades que gritam “sinto a tua falta”. Aquelas saudades que se entrenham em nós, acordamos com elas, deitamo-nos com elas... e ficamos fartos delas?!

Ora, sentir saudades ou sentir a falta, não é a mesma coisa. Sentir a falta de alguém é mais doloroso, dói, deixa marca, acutila a alma, sufoca, desespera, desorienta, rouba-nos o suspiro...

Finalmente, aparece o momento em que temos oportunidade de matar saudades... e não conseguimos!! Nem sempre se conseguem matar as saudades todas, fica sempre alguma coisa no peito, nem o abraço mais profundo consegue matar esta saudade. E quando parece que consegue, é porque afinal não eram saudades, ou eram?? E sentimos as coisas de formas diferentes?

No meio deste rodopio desentendido do que é a saudade, já não sei se sinto saudades, se sinto a falta… sei que sinto um vazio que antes não existia em mim.

Definitivamente, o que não gosto, é ter que ser eu a matar as minhas próprias saudades. Matar saudades que já não fazem sentido, matar saudades que são só minhas.
Destruir saudades, apagar memórias, querer esquecer, é um processo de autodestruição consciente e doloroso, afagado em lágrimas sem sal...

Não há tempo certo para sentir, ou deixar de sentir saudades. Infelizmente não se controla isso. Mas as saudades que são só minhas, ficarão em segredo, ficarão só para mim, ficarão num sufocado silêncio que grita “sinto a tua falta”.

E este, é um grito mudo, ao ouvido de um surdo, que ainda por cima é cego!

Desisto em silêncio, na esperança que ainda tenhas tacto, e percebas isto durante um abraço...

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

QUERER vs GOSTAR

Ora aqui estão duas palavras que nunca tinha pensado que me levassem a questionar o seu sentido ou significado. Ontem estava a ouvir uma coisa qualquer na televisão (suspeito que fosse uma das novelas) e ouvi dizer; “tenho que ir, que não gosto de chegar atrasado…” mas o rapaz nunca mais se ia embora, e eu pensei; “não gostas, mas se continuas aí vais chegar atrasado! Se não quisesses chegar atrasado já te tinhas posto a andar!”.
É que não gostar é uma coisa, o não querer é outra! Eu também não gosto de chegar atrasada, mas às vezes… Agora, quando não quero… chego mesmo a horas! (é um exemplo fatela, mas é na linha de pensamento da situação da novela)
E eis que o meu pensamento foi andando, andando… e conclui mais ou menos isto que vou tentar transmitir.


O gostar é superficial, tão superficial que deixamos andar conforme o vento, ou a corrente. É um querer que deixamos que dependa de factores externos. É um querer que não nos obriga a grandes esforços, não nos faz lutar, é quase indiferente… É um querer sem acção, fica por ali.


O querer é diferente porque depende de nós, da nossa acção. Se queremos alguma coisa, acabamos por lutar por ela, e só o facto de termos que lutar por ela já torna esse querer dinâmico, já lhe dá vida, já lhe dá corpo e as coisas acontecem!


Conclui, que querer é mais que o gostar... Ou pelo menos tem um peso diferente. Talvez haja uma tendência de probabilidades de acontecimento...


Senão, reparem nas seguintes frases que usamos vulgarmente no nosso quotidiano;


“gosto de ti” ou “quero-te”
“gostava de mudar de emprego” ou “quero mudar de emprego”
“gosto de gelado de morango” ou “quero gelado de morango”
“não gosto dessa comida” ou “não quero essa comida”
“gosto de estar contigo” ou “quero estar contigo”


Reparei agora (ao escrever) que tentar usar o mesmo tempo verbal para ambas as palavras, é complicado. Para empregar o verbo gostar usa-se muito o pretérito imperfeito (gostava), que esconde aquela palavrinha “se”… isto por si só já diz muito.


Em suma, para conseguirmos as coisas temos que mudar a nossa forma de pensar, temos que substituir o gostar pelo querer. Até porque conseguir o que se quer é que nos dá mérito. Conseguir o que se gosta, pode dar mérito a outro.


E com esta me vou, obrigada por lerem os meus devaneios…

terça-feira, fevereiro 17, 2009

À JANELA

Quando amamos parece que o mundo fica diferente. Parece que nada se sente à nossa volta a não ser esse amor. Deixamos de pensar nas coisas, olhamos simplesmente para elas.
Nestas alturas, parece que descobrimos uma janela dentro de nós, uma janela por onde passamos todos os dias e raramente paramos para ver a paisagem. Pode dizer-se que é a janela do coração, uma janela que fica ao lado de um relógio de parece que nunca está certo, ou é cedo ou é tarde...

Estes dias tenho passado os serões a esta janela, tenho olhado para a paisagem e observado que muita coisa mudou, a paisagem, as pessoas que passam, os barulhos, os cheiros... a luz do sol, o brilho da lua. Está tudo diferente, ou só comecei a reparar agora nisso. E fico muito tempo ali, a saborear, a usufruir da natureza que vejo nesta janela que é a minha. Depois, abro os braços, ou baixo a cabeça, suspiro de esperança ou de cansaço.

Quando fecho a janela, embora muitas dúvidas me toquem no ombro, a certeza do que quero já me dá alguma segurança. Isto porque me parece que o querer já é meio caminho andado para acontecer. O não querer, já é meio caminho para nada.

E aqui estou eu, uma vez mais à janela.

Olho uma última vez para a paisagem e lá está o meu trilho, o do meu querer, aquele que me levará a algum lado.

Há pessoas nos levam a esta janela, nos mostram um caminho que conseguimos ver. O que tenho visto é um caminho sinuoso, parece ir dar a uma montanha linda, parece ser difícil lá chegar. Este caminho não é um qualquer, existe. Mesmo que não vá por ali, este jamais será apagado da memória do meu coração.


Já andei por caminhos fáceis que não me levaram a lado nenhum.


Vou recolher-me que hoje está muito frio aí fora…




terça-feira, fevereiro 10, 2009

Uma Flor


Ali nasceu uma flor.
Era uma semente pequenina,
Trazida ao pontapé pelo vento.
Bem se via que não era deste prado.
Não era malmequer, nem papoila,
Não era lírio, nem narciso…
Era uma flor sem nome, sem cheiro!
Não era nada de especial,
Nem bonita, nem feia.
Era só diferente de todas as outras.
Quando eu ia à janela ao acaso
Lá estava ela, simplesmente presente!
Na sua simplicidade dava nas vistas.
Sem querer entrava-me pelos olhos dentro,
Irrompia luminosa do meu pensamento!
Quando me lembrava dela, sorria.
Um dia decidi que a queria junto a mim,
Então desci para a colher.
Com um sorriso de anjo, peguei nela gentilmente.
E senti-a a sorrir para mim!
Nesse dia, senti o seu cheiro, toquei a sua beleza.
Nesse dia,
Matei-a.
Nesse dia,
O prado perdeu a cor e o cheiro.
Nesse dia,
Mais valia não ter amado tanto!


AS

terça-feira, fevereiro 03, 2009

SEREI

Já fui palhaço no circo,
Fui mendigo na fila da sopa dos pobres.
Fui actriz no palco de teatro,
Fui estrela de cinema!
Fui pobre em África!
Fui militar na guerra,
Sem dar por isso fui rica na Pérsia!
Fui bombeiro no meio do fogo,
Salvei náufragos quando era marinheiro!

Já fui de tudo um pouco,
Fui tudo e nada!
Fui o que tinha que ser.
Fiz o meu papel – o mais óbvio.

Olhando para trás,
Gostaria de ter sido o trapezista,
Que se equilibra lá no topo, que arrisca!
Gostava de ter sido solidária,
Em vez de comer a sopa, dá-la!

No centro das atenções da vida de actriz,
Podia ao menos ter sido melhor aprendiz,
Mas não, eu era a estrela que me ofuscou!
Na guerra, gostava de ter sido a bandeira branca.
E quando passei por África preferia ter sido
A cura das maleitas!
Na Pérsia, não precisava ter sido rica,

Podia ter sido um simples tapete!
(Voador de preferência).

No meio do fogo, fui árvore ardida, morta, ressequida,
Mas digo que fui bombeiro…
Morri afogada e digo que fui marinheiro!

Eu fui quem não me salvou!
Morri várias vezes nos meus próprios braços!

Da última vez que morri,
Apareci aqui, viva.

AS

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

A TENDA

Certo dia, daqueles que não se contam mas não se esquecem, um simples momento fez-me perceber como as pessoas vivem os momentos, como somos diferentes no entendimento das coisas.
Éramos um grupo de poucos, mas suficientes para nos sentirmos como grupo. Todos os anos íamos acampar para o Alentejo durante as férias, éramos sempre os mesmos. Era como um ritual estival, que se repetia na organização das coisas; as tendas, os saco cama, os carros que iam, a marcação do parque, a comida, os tachos… era tudo combinado ao pormenor para nada falhar. Ao longo dos anos fomos melhorando esta tarefa, tornando-se tudo mais simples, prático e eficaz! Ainda me lembro das primeiras férias, a quantidade de coisas que levámos que não fizeram falta para nada, e as coisas que não levamos que nos fizeram tanta falta! Era tudo diferente do que planeávamos. A comida que não comemos, os jogos que não jogámos, as sestas que não dormimos, os mergulhos matinais que não fizemos porque preferimos dormir. Era conforme o que nos apetecesse! Apesar de estarmos em grupo, sempre respeitámos a individualidade do outro, portanto cada um fazia o que lhe apetecia! Às vezes lá nos apetecia fazer a mesma coisa…

O Alentejo é caracterizado pelas suas noites quentes e calmas. Mas este Alentejo que vos falo, era caracterizado por noites muuuito quentes e demasiado calmas. Ali não se passava praticamente nada, era um santo lugar para descansar! Tínhamos uma vista privilegiada sobre o mar… Estávamos num lugar chamado Porto Covo, lugar magnifico, muito pacato… Para nós aquilo era o fim do mundo, mas um fim do mundo agradável. Ali, praticamente só havia uma rua, fazia a ligação do parque de campismo ao mar… Era a rua das lojas, dos restaurantes, dos artistas nocturnos, das esplanadas, de tudo… era “a” rua! Para nós, a única rua!
Mas nós lá íamos ver o que se passava… a actividade nocturna era a loucura!! O que mais marcava a paisagem era o mar e as caravanas, que na altura ainda se podiam estacionar junto aos precipícios. Claro está, que neste local os cafés e restaurantes fechavam quando a lua ainda mal se tinha visto, havia apenas um barzinho, cujo nome não me recordo, que albergava a juventude, mas às vezes preferíamos ir para as nossas tendas conversar. O ambiente do parque de campismo era envolvente, era propício a grandes conversas, facilmente trocávamos uma noite no bar barulhento por uma noite de conversas nas nossas tendas.

Tínhamos que inventar coisas para fazer durante a noite, e o que inventávamos!! Algumas são incontáveis, outra vale a pena partilhar. Hoje lembrei-me de partilhar uma destas noite com vocês.
Nesta noite, tínhamos ido ao café local, onde já nos conheciam por sermos um grupo bem disposto. Jogávamos snooker a pares, fazíamos equipas com outros campistas que não conhecíamos de lado nenhum. Bebíamos o famoso “Licor Beirão” muito antes de aparecer nos anúncios de televisão!

Depois de nos distrairmos com o jogo, e de termos gasto os trocos todos destinados a essa noite, regressamos às tendas. Habitualmente quando íamos para o parque montávamos a nossa mesa, jogávamos às cartas ou aos dados de poker. Tínhamos conversas interessantes, filosóficas demais para a nossa idade. Às vezes, o Vasco lá ia buscar a viola e nós tentávamos acompanhar, mas o reportório já se tornava repetitivo e desistíamos. Nesta noite jogámos, falámos, tocámos e cantámos, até que ouvimos a vizinha da tenda do lado “podiam cantar mais baixinho, não é que cantem mal, mas fazem muito barulho” – ora para cantar baixinho o mesmo reportório do costume, ainda por cima estávamos a incomodar... metemos a viola no saco e decidimos ir dormir!

Desmontamos a mesa e fomos para as tendas, claro que não era para dormir, ainda tínhamos que traçar os planos para o dia seguinte! Planos estes que nunca eram cumpridos, mas ao menos ficava registado o que cada um gostaria de fazer. O que o Vasco gostava de fazer era ir a pesca de manhã, mas gostava muito mais de dormir, por isso raramente ia a pesca! Eu, tal como o Vasco gostava era de dormir! Neste grupo não havia ninguém madrugador, mas se alguém se levantasse para fazer alguma coisa, os outros também se iam levantando, embora o que se levantava primeiro, já se levantava tarde! Na realidade, o que nos obrigava a levantar era mesmo o calor que se fazia sentir dentro das tendas… Às tantas era insuportável, mas chegávamos ao cúmulo de sair só quando já estávamos a transpirar! Éramos loucos, mas na altura ainda tínhamos tempo para gastar a dormir!

Nesta noite, não chegamos a combinar nada. Arrumámos a mesa e fomos para as tendas. Na minha tenda dormíamos três pessoas, na outra dormiam os pombinhos… éramos portanto cinco! Nessa noite, os pombinhos foram dormir, era o que eles diziam, mas nós bem os ouvíamos a sonhar alto!
Lembro-me de ter ficado a arrumar as coisas, as bolachas, o café, o açúcar, tudo! Porque as formigas e o sol matinal destruíam tudo, nada podia ficar entregue à natureza. Enquanto eu arrumava, os pombinhos desapareceram, ficaram por ali o Manel e a Marta que dormiam comigo. Eles foram andando para a tenda… Eu fui a última a entrar na tenda, quando entrei, eles, estranhamente estavam deitados com os olhos abertos e num silêncio profundo, um silêncio que me incomodou porque aquilo não era habitual… Normalmente ficávamos sentados a partilhar um pacote de batatas fritas, ou a comer daquelas porcarias que davam pelo nome de marchemelos, que assávamos na ponta do isqueiro! Esta noite não, esta noite deitámo-nos em silêncio! Em silêncio…

Sabíamos uns dos outros que não dormíamos, nenhum de nós estava a dormir, eu sabia porque sentia os olhos deles abertos. E esta percepção dos olhos abertos no silêncio estava a mexer comigo, estava a mexer com todos! Nenhum se atreveu a quebrar o silêncio… Este silêncio demorou algum tempo, o tempo necessário para começar a ficar confortável e para nos perdermos em pensamentos. Parecia que comunicávamos sem palavras, mantivemos um diálogo aberto sem saber o que outro dizia, estávamos na realidade a fazer um monólogo na esperança que aquela cabeça tão encostada à nossa ouvisse o nosso pensamento.

Sufocadamente saiu um suspiro da boca do Manel. A Marta não reagiu, eu também não. Continuámos imóveis… Dei por mim a reparar que nesta noite conseguia ver as estrelas através da tenta! Como é que eu nunca tinha reparado no céu?! A nossa tenda era uma canadiana, beije com uma cobertura castanha escura. Pouca luz passava, só a daquele candeeiro irritante que se ligava automaticamente sempre que passava alguém, ou às vezes, ninguém.
Perdi-me no meu pensamento, perdi-me deles quando me fixei no infinito do céu estrelado! Que magnífico! Era um céu ímpar, muito parecido com o meu céu encantado que só conseguia ver na minha aldeia, em Trás-os-Montes. Que espectáculo! Havia tantas, tantas estrelinhas, pequeninas e brilhantes, via-se nitidamente a estrela polar. Tentei descobrir as constelações, e algumas ali estavam, pareciam que iam cair e invadir o vazio da nossa tenda. Expectante, aguardava o aparecimento de uma estrela cadente para pedir um desejo, que desejo pediria se aparecesse? Dei por mim a viajar neste mar de céu e a gozar o momento, com a certeza de estar a partilhar com aquelas duas pessoas a mesma coisa - o céu do Alentejo! Só ouvíamos o bater dos nossos corações, o pestanejar dos olhos e as respirações. Subitamente o silêncio foi quebrado! O Manel falou entre dentes… “que cena!” foi o que ele disse.

Decidi quebrar o silêncio e perguntei à Marta em que é que ela estava a pensar;
- Sei lá, já pensei em tanta coisa! Mas agora estava a pensar no céu, no infinito, em como somos pequeninos! Não somos nada! Pensei em Deus, será que existe e nos está a ver aqui feitos parvos?! Pensei que amanhã estará bom tempo porque o céu está estrelado e que podemos ir à pesca! Pensei que ainda deve ser cedo porque a estrela polar ainda se vê aqui tão perto! Será que o nosso destino está mesmo escrito nas estrelas? Como é que isso é possível?! Estava a curtir este silêncio e a sentir que somos especiais, somos pessoas iluminadas como as estrelas… oh, sei lá, estava a pensar palermices! – disse a Marta com o seu tom de voz calmo e sereno.

Eu estava a pensar mais ou menos a mesma coisa, estava a curtir o céu! Na realidade, tal como a Marta, eu estava a pensar palermices! Finalmente, ainda deitadas, eu e a Marta deixamos cair as cabeças para o lado para encontrar o olhar uma da outra e sorrimos com uma ternura incrível porque nos entendemos num momento. Depois certamente tivemos o mesmo pensamento ao mesmo tempo; em que estaria a pensar o Manel?!

- E tu Manel, em que pensas? – perguntou a Marta virando a cara para o outro lado.
- Eu… nem sei se estou a pensar. Eu estou simplesmente perplexo com vocês! Vocês são incríveis, não existem!! Como é que é possível?!

Eu fiquei surpresa com esta resposta porque não percebi, a Marta voltou a olhar para mim com aquele ar habitual do “o que é que se passa com ele agora?! Passou-se!”. Portanto, o Manel estava noutra, eu e a Marta estávamos na mesma sintonia! Fomos novamente interrompidas pelas palavras agressivamente calmas do Manel. Parecia indignado, pasmo - e estava!

- Vocês só podem estar a gozar comigo! Estão para aí feitas parvas a olhar para o céu… e as estrelas e as estrelinhas… que somos pequeninos… que Deus isto e aquilo… Eu estive a pensar em quem é que nos terá feito isto à tenda!

“ISTO o quê?!” Perguntei a mim mesma, sobressaltada!

De repente, saí do meu transe e cai na realidade!! De facto, o Manel tinha razão… a tenda estava completamente destruída! Comecei a reparar naqueles farrapos castanhos pendurados, pareciam estalactites de tecido! Eram rasgões enormes! Autênticos buracos no tecto, que nessa noite nos deram acesso a uma imagem completa do céu!

Eu e Marta curtimos o céu sem nos apercebermos do que tinha acontecido à tenda! Senti-me enganada na minha própria estupidez e distracção. O Manel deve ter ficado pasmado com o nosso alheamento! Como eu o compreendi!
Como foi possível que um pedaço de céu deslumbrante nos distraísse de uma realidade que estava mesmo em frente aos nossos olhos?!
Esta noite marcou-me para sempre, marcou-nos aos três. Aprendemos, porque todos erramos nessa noite; o Manel só viu a tenda destruída e por isso não apreciou o céu, eu e a Marta só reparamos no céu, mas foi tão cegamente que nem nos apercebemos do estado da tenda!

Nessa mesma noite, dormimos ao relento. Os três juntos, cada um a pensar sabe-se lá em quê.

Foi o último verão que passamos juntos. Foi o último momento em que aprendemos alguma coisa juntos. Foi "o" momento em que aprendemos, com uma coisa tão simples, a compreender a vida.
Aprendemos que se devemos viver os sonhos, não esquecendo que existe a realidade...

Hoje, o Manel é um homem demasiado céptico, a Marta é uma sonhadora problemática… eu, não sei o que sou.

(qualquer semelhança com a realidade é coincidência... apenas alguns pormenores são reais, tudo o resto foi sonho)

AS

quinta-feira, janeiro 29, 2009

A CARNE É FRACA?


(Vamos enquadrar este meu devaneio numa situação em que existe um compromisso, com amor, entre duas pessoas).
Há situações que nos levam a dizer que a “carne é fraca…”. Não percebo porque se diz isso. Que culpa tem a carne das nossas fraquezas? Fracos somos nós, enfraquecemos quando não sabemos o que queremos, esta é a verdade. Porque quando se sabe o que se quer, não há carne, nem espírito, nem alma que nos impeçam de fazer o que está correcto.
Quanto a mim, esta expressão é vulgarmente usada como desculpa do pecado sexual, o que mais me admira é que é aceite como desculpa. Toda a gente compreende que a carne seja fraca. Quem num momento ou noutro não sentiu uma atracção pelo colega de emprego, pelo médico, pelo vizinho do lado, pelo pai da melhor amiga, pelo namorado da mãe, pelo amigo da irmã… Sei lá, aparecem na nossa vida tantas pessoas com “bom aspecto”… olhamos e comentamos “até se comia!” – carne!

Até aí, tudo bem… mas sentir isto quando se é comprometido já é mais complicado! Descompliquem! Então não temos todos o direito a sentir atracção? Temos! E é por termos um compromisso que essa parte de nós morre, deixa de reagir? Evidentemente que não, é natural, fisicamente e cientificamente provado que acontece a todos!! Quer admitam quer não! Obviamente que no fogo da paixão só sentimos atracção pela paixão, senão não era paixão! Mas quando a paixão se transforma em amor, e depois num amor mais maduro e assumido… A atracção alheia acontece!

Agora, dizer que a carne é fraca quando na verdade o que se passa é a nível emocional, isso é que não! Não me venham cá dizer que um envolvimento emocional por exemplo; o querer estar nos braços de outra pessoa, o querer olhar os seus olhos, partilhar um por de sol ou um momento de silêncio, o querer tocar levemente as suas mãos, o sentir o coração a palpitar durante um abraço, o sentir borboletas no estômago quando os olhares se cruzam, é carne!! Ora não me lixem!! Isso não é ter a carne fraca, isso é ter um compromisso fraco! A partir daqui obviamente que dizer a “carne é fraca” não serve como desculpa de nada! Uma coisa é carne, outra coisa é espírito! Porque a carne não se entrega, não se envolve, não se partilha, a carne come-se, enquanto se come dá prazer (ou não!) e depois levantamos da mesa e vamos embora. É como ir a um restaurante comer e voltar para casa, perguntar à mulher o que fez para o jantar, comer novamente, gostar, adormecer feliz com a última refeição e nem sequer pensar na refeição do restaurante!
Agora, espírito… não! O espírito envolve muita coisa, ui… ! O espírito é onde se guarda toda a nossa essência, o nosso ser, as nossas emoções, e o pior… as pessoas com quem estamos emocionalmente envolvidas. Ora, o espírito pressupõe uma entrega verdadeira e honesta do nosso eu! Quando o que se sente é isto, sim, preocupem-se!
Não há baralhação possível relativamente a estas duas situações, não há como baralhar!! Um leva-nos a fazer sexo, outro leva-nos a fazer amor, mesmo que não haja sexo! Portanto, traição por traição, mais vale que seja efectivamente porque a carne foi fraca, e não porque o espírito foi forte demais…
Obviamente que a entrega de espírito nos pode levar também a entregar corpo, mas isso é pormenor que deixa de ter importância. Quando o espírito for entregue, o corpo também já foi, portanto… “a carne é fraca” não desculpa nada de nada! Aliás, nestas situações compreendo que não há nada a desculpar mas a compreender, a aceitar, ou não! Nestas situações nem sequer há lugar para o ciúme, mas para a dor, a tristeza e a mágoa.
Digo convicta que somos nós que mandamos no nosso corpo, portanto podemos perfeitamente controlá-lo! No nosso espirito não... Trata-se de um poder e uma limitação do ser humano; controlar o corpo e não controlar o espirito, portanto surge-me uma pergunta; o que é que custa mais a perdoar afinal? Uma traição de corpo, ou uma traição de espirito?
A desculpa duma traição jamais será sincera?
ou
O amor é um sentimento que perdoa a culpa?

quarta-feira, janeiro 28, 2009

NADA DURA PARA SEMPRE

Durante um olhar perdido no tempo, especificamente no passado, facilmente concluímos que nada é eterno, nada dura para sempre. Talvez o amor de mãe, mas até este sentimento sofre mutações, o tempo e a vida ensinam a amar um filho de forma diferente, embora se ame para sempre. Mas aquele amar de mãe de poder proteger nos braços, do poder abraçar, do poder mimar… isso mais tarde ou mais cedo acaba. Os filhos começam a ver as mães com outros olhos, quebra-se a infatilidade, e tudo o que era um abraço eterno de ternura e amor entre mãe e filho, passa a ser um abraço com muitos outros significados, isto é, se ainda existirem abraços!. Digo que acaba, porque muda… E uma mudança é o prenúncio do fim de alguma coisa.


Pergunto-me se realmente as coisas têm que ser assim. Não têm, mas de facto são assim e contra isso nada podemos fazer. A única coisa que se pode fazer é aproveitar ao máximo o tempo de duração de cada um destes momentos que gostaríamos que fossem eternos. Saber aproveitar estes momentos é uma arte que poucos têm. Mas é uma arte que se aprende com a vida e com as pessoas que deixamos entrar nela. Tudo se aprende se tivermos disposição para tal.
Dou-me conta que talvez seja esta certeza inconsciente de que nada dura para sempre que nos permite dar valor àquilo que mais amamos. Ninguém quer perder o que ama, mas já se sabe que se vai perder, por isso valoriza-se, respeita-se e cuida-se. O que se afastar muito disto, por certo não será amor. (digo eu, que nada percebo deste sentimento!)
O vislumbre dum horizonte que diz “fim” assusta, mete medo. O desconhecido assombra, o perder algo que nos faz feliz angustia. E assim acabamos por forçar a existência de coisas que já terminaram, iludimos a alma com abraços de corpo, dizemos ver magia quando afinal vemos é o truque. Tentamos aumentar a distância entre nós e o horizonte, aumentamos a extensão de mar, pintamos o céu de várias cores, vemos vários por-de-sol… e ficamos assim até que a nossa presença nesta paisagem se extinga.


Bem, à partida parece um pensamento pessimista e sem esperança, mas não é! Reparem que não durando para sempre, até o que é mau acaba!


O meu ponto de vista é que não dura porque muda e uma mudança nem sempre significa uma alteração para pior. Tudo depende da forma como gerimos a vida e os sentimentos, tudo depende da nossa capacidade de adaptação a novas situações. Na realidade, tudo depende de nós e não daquilo que se extingue, seja um sentimento, um animal de estimação ou uma pessoa querida.


Grave é se nos extinguirmos ainda em vida, acontece a quem não sabe o que quer, a quem não luta pelo que quer, a quem depende da extinção do outro. Acontece a todos termos extinções momentâneas, apagamo-nos, ficamos desorientados… E nesses momentos de mudança encontramos sempre o princípio de alguma coisa, será um princípio surpreendente provocado por um fim que nos angustiou.

Portanto, o fim, a mudança e o principio regem o nosso ciclo de vida... e é esta a nossa montanha russa sem bilhete pago! Fazemos a viagem simplesmente porque estamos vivos... Ficamos sem ar, vomitamos, enjoamos, gritamos, rimos, suspiramos, aprendemos, e o mais importante de tudo... crescemos!


Aproveito para desejar a todos um excelente ano de 2009.


O ano que acabou pode ter sido muito mau ou bom, mas nada nos diz que este não seja melhor. De certeza que será diferente!


Hoje passei por aqui só para dizer isto…


Um abraço