segunda-feira, abril 19, 2010

EXORCISMO DA ALMA

Soltem-se os gritos, soltem-se as amarras do desespero, ansioso por se libertar deste corpo! Este corpo rijo e teso de tanta incompreensão! Precisamos de um caminho deserto e escuro onde nada nos impeça de gritar, de estrebuchar com o vazio, com o céu, com as nuvens, com as estrelas, com a terra e com as pedras que pisamos! Precisamos de um momento ausentes do mundo para podermos gritar desesperadamente com a vida! Dispam-se de injustiças , de incompreensões, de traições agonizantes, das raivas caladas diariamente e dos medos que nos petrificam os movimentos! Precisamos de estar a sós connosco, a sós com a natureza, a sós com a vida, a sós com o mundo. Precisamos de eliminar tudo o que nos rodeia para ficarmos livres no meio do nada - só nós! Totalmente e completamente livres!!

Precisamos apenas de um breve momento para sentirmos a nossa existência, para nos encontrarmos. Precisamos de nos sentir perdidos no meio de um breve momento de loucura, onde estamos completamente sós! Deixem-nos ser loucos, deixem-nos gritar e chorar por tudo aquilo que já não existe mas nos faz falta, deixem-nos caminhar pelo chão que nos foge velozmente por baixo dos pés, deixem-nos ladrar destemidamente ao medo e vê-lo fugir com o rabo entre as pernas. Dêem-nos espaço para sermos loucos!

Deixem-nos acreditar que este grito calado nas profundezas escuras da alma tem poder, que pode alcançar o céu e o mar, pode galgar montanhas e vales e chegar até ao infinito onde te procuro. Este grito que condensa toda a raiva, é um grito poderoso que acredito que até os surdos o ouvem, até os mortos se hão-de levantar assustados para ver quem grita assim! Tenho este poder dentro de mim e acredito firmemente que alguém virá não sei de onde, nem como, para me abraçar e confortar. Acredito neste poder que sei que não tenho, acredito em tudo, ou quero acreditar! Acredito em todos os impossíveis e chamam-me louca! Acredito que esta minha loucura me libertará! Deixem-me sair de mim e cair em mim...

Deixem-me sozinha mas não me abandonem. Quero ser livre, mas quero ouvir passos que me persigam, quero olhar para trás e ver uma estrada cheia de loucos como eu! Quero sentir outro respirar, outro louco, outro alguém que acompanhe a minha loucura e que a entenda!
Preciso caminhar por esta estrada fria e molhada, que me leva para lado nenhum, mas que me cansa e castiga os pés e o corpo. Preciso de me sentir viva desta forma incompreensível, desta forma degradada e lastimável em que já não pareço eu! Preciso de mim e da minha alma, quero sentir este poder de imortalidade que já não me assusta. Deixem-me encontrar a minha pessoa perdida no meio dos escombros. Ajudem-me a levantar pedras, procurem-me, mas em silêncio! Deixem que seja eu a encontrar-me!

Acredito que esta vida existe, acredito que outra vida existe. Acredito neste mundo e no outro, acredito em tudo e em nada! Sei que tenho que regressar a mim e ao meu corpo. Terei que voltar a sentir a dor nos pés e nas pernas. Percebo agora que as dores da alma são intoleráveis e é por isso que se solta este grito desesperado que precisa de espaço. Grito porque doí! Doí tanto e doí muito!

Depois de exorcizar as dores da alma, ficarei sem forças, ficarei exausta e por fim regressarei ao meu corpo castigado e abandonado, onde me querem encontrar. Estou aqui novamente. Regressei com força e coragem para dar a mão ao meu corpo e novamente caminhar por uma estrada que não sei onde me levará. Estarei atenta a todos os brilhos e perigos! Serei eu, com um pouco mais de mim! Serei eu livre nestes nestes momentos de loucura. Serei eu invencível e poderosa o suficiente para voltar a acreditar em mim e na vida. Para lá disto parece não haver mais nada. Outro dia voltarei a gritar, num outro deserto, à procura de mim. Num outro dia, em que a chuva novamente me lave e o vento de acorde! Regressarei calma a mim e darei um abraço ao meu corpo, afagarei as minhas mágoas e acreditarei que amo a pessoa que abraço.

A vida é isto. Um caminho escuro onde nos perdemos e outro onde nos encontramos. É andar perdido à nossa procura para depois nos abraçarmos...

Exorcizem a vossa alma, é nela que que se guardam todos os gritos calados, que soltos, nos podem libertar...