quinta-feira, fevereiro 19, 2009

QUERER vs GOSTAR

Ora aqui estão duas palavras que nunca tinha pensado que me levassem a questionar o seu sentido ou significado. Ontem estava a ouvir uma coisa qualquer na televisão (suspeito que fosse uma das novelas) e ouvi dizer; “tenho que ir, que não gosto de chegar atrasado…” mas o rapaz nunca mais se ia embora, e eu pensei; “não gostas, mas se continuas aí vais chegar atrasado! Se não quisesses chegar atrasado já te tinhas posto a andar!”.
É que não gostar é uma coisa, o não querer é outra! Eu também não gosto de chegar atrasada, mas às vezes… Agora, quando não quero… chego mesmo a horas! (é um exemplo fatela, mas é na linha de pensamento da situação da novela)
E eis que o meu pensamento foi andando, andando… e conclui mais ou menos isto que vou tentar transmitir.


O gostar é superficial, tão superficial que deixamos andar conforme o vento, ou a corrente. É um querer que deixamos que dependa de factores externos. É um querer que não nos obriga a grandes esforços, não nos faz lutar, é quase indiferente… É um querer sem acção, fica por ali.


O querer é diferente porque depende de nós, da nossa acção. Se queremos alguma coisa, acabamos por lutar por ela, e só o facto de termos que lutar por ela já torna esse querer dinâmico, já lhe dá vida, já lhe dá corpo e as coisas acontecem!


Conclui, que querer é mais que o gostar... Ou pelo menos tem um peso diferente. Talvez haja uma tendência de probabilidades de acontecimento...


Senão, reparem nas seguintes frases que usamos vulgarmente no nosso quotidiano;


“gosto de ti” ou “quero-te”
“gostava de mudar de emprego” ou “quero mudar de emprego”
“gosto de gelado de morango” ou “quero gelado de morango”
“não gosto dessa comida” ou “não quero essa comida”
“gosto de estar contigo” ou “quero estar contigo”


Reparei agora (ao escrever) que tentar usar o mesmo tempo verbal para ambas as palavras, é complicado. Para empregar o verbo gostar usa-se muito o pretérito imperfeito (gostava), que esconde aquela palavrinha “se”… isto por si só já diz muito.


Em suma, para conseguirmos as coisas temos que mudar a nossa forma de pensar, temos que substituir o gostar pelo querer. Até porque conseguir o que se quer é que nos dá mérito. Conseguir o que se gosta, pode dar mérito a outro.


E com esta me vou, obrigada por lerem os meus devaneios…

terça-feira, fevereiro 17, 2009

À JANELA

Quando amamos parece que o mundo fica diferente. Parece que nada se sente à nossa volta a não ser esse amor. Deixamos de pensar nas coisas, olhamos simplesmente para elas.
Nestas alturas, parece que descobrimos uma janela dentro de nós, uma janela por onde passamos todos os dias e raramente paramos para ver a paisagem. Pode dizer-se que é a janela do coração, uma janela que fica ao lado de um relógio de parece que nunca está certo, ou é cedo ou é tarde...

Estes dias tenho passado os serões a esta janela, tenho olhado para a paisagem e observado que muita coisa mudou, a paisagem, as pessoas que passam, os barulhos, os cheiros... a luz do sol, o brilho da lua. Está tudo diferente, ou só comecei a reparar agora nisso. E fico muito tempo ali, a saborear, a usufruir da natureza que vejo nesta janela que é a minha. Depois, abro os braços, ou baixo a cabeça, suspiro de esperança ou de cansaço.

Quando fecho a janela, embora muitas dúvidas me toquem no ombro, a certeza do que quero já me dá alguma segurança. Isto porque me parece que o querer já é meio caminho andado para acontecer. O não querer, já é meio caminho para nada.

E aqui estou eu, uma vez mais à janela.

Olho uma última vez para a paisagem e lá está o meu trilho, o do meu querer, aquele que me levará a algum lado.

Há pessoas nos levam a esta janela, nos mostram um caminho que conseguimos ver. O que tenho visto é um caminho sinuoso, parece ir dar a uma montanha linda, parece ser difícil lá chegar. Este caminho não é um qualquer, existe. Mesmo que não vá por ali, este jamais será apagado da memória do meu coração.


Já andei por caminhos fáceis que não me levaram a lado nenhum.


Vou recolher-me que hoje está muito frio aí fora…




terça-feira, fevereiro 10, 2009

Uma Flor


Ali nasceu uma flor.
Era uma semente pequenina,
Trazida ao pontapé pelo vento.
Bem se via que não era deste prado.
Não era malmequer, nem papoila,
Não era lírio, nem narciso…
Era uma flor sem nome, sem cheiro!
Não era nada de especial,
Nem bonita, nem feia.
Era só diferente de todas as outras.
Quando eu ia à janela ao acaso
Lá estava ela, simplesmente presente!
Na sua simplicidade dava nas vistas.
Sem querer entrava-me pelos olhos dentro,
Irrompia luminosa do meu pensamento!
Quando me lembrava dela, sorria.
Um dia decidi que a queria junto a mim,
Então desci para a colher.
Com um sorriso de anjo, peguei nela gentilmente.
E senti-a a sorrir para mim!
Nesse dia, senti o seu cheiro, toquei a sua beleza.
Nesse dia,
Matei-a.
Nesse dia,
O prado perdeu a cor e o cheiro.
Nesse dia,
Mais valia não ter amado tanto!


AS

terça-feira, fevereiro 03, 2009

SEREI

Já fui palhaço no circo,
Fui mendigo na fila da sopa dos pobres.
Fui actriz no palco de teatro,
Fui estrela de cinema!
Fui pobre em África!
Fui militar na guerra,
Sem dar por isso fui rica na Pérsia!
Fui bombeiro no meio do fogo,
Salvei náufragos quando era marinheiro!

Já fui de tudo um pouco,
Fui tudo e nada!
Fui o que tinha que ser.
Fiz o meu papel – o mais óbvio.

Olhando para trás,
Gostaria de ter sido o trapezista,
Que se equilibra lá no topo, que arrisca!
Gostava de ter sido solidária,
Em vez de comer a sopa, dá-la!

No centro das atenções da vida de actriz,
Podia ao menos ter sido melhor aprendiz,
Mas não, eu era a estrela que me ofuscou!
Na guerra, gostava de ter sido a bandeira branca.
E quando passei por África preferia ter sido
A cura das maleitas!
Na Pérsia, não precisava ter sido rica,

Podia ter sido um simples tapete!
(Voador de preferência).

No meio do fogo, fui árvore ardida, morta, ressequida,
Mas digo que fui bombeiro…
Morri afogada e digo que fui marinheiro!

Eu fui quem não me salvou!
Morri várias vezes nos meus próprios braços!

Da última vez que morri,
Apareci aqui, viva.

AS

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

A TENDA

Certo dia, daqueles que não se contam mas não se esquecem, um simples momento fez-me perceber como as pessoas vivem os momentos, como somos diferentes no entendimento das coisas.
Éramos um grupo de poucos, mas suficientes para nos sentirmos como grupo. Todos os anos íamos acampar para o Alentejo durante as férias, éramos sempre os mesmos. Era como um ritual estival, que se repetia na organização das coisas; as tendas, os saco cama, os carros que iam, a marcação do parque, a comida, os tachos… era tudo combinado ao pormenor para nada falhar. Ao longo dos anos fomos melhorando esta tarefa, tornando-se tudo mais simples, prático e eficaz! Ainda me lembro das primeiras férias, a quantidade de coisas que levámos que não fizeram falta para nada, e as coisas que não levamos que nos fizeram tanta falta! Era tudo diferente do que planeávamos. A comida que não comemos, os jogos que não jogámos, as sestas que não dormimos, os mergulhos matinais que não fizemos porque preferimos dormir. Era conforme o que nos apetecesse! Apesar de estarmos em grupo, sempre respeitámos a individualidade do outro, portanto cada um fazia o que lhe apetecia! Às vezes lá nos apetecia fazer a mesma coisa…

O Alentejo é caracterizado pelas suas noites quentes e calmas. Mas este Alentejo que vos falo, era caracterizado por noites muuuito quentes e demasiado calmas. Ali não se passava praticamente nada, era um santo lugar para descansar! Tínhamos uma vista privilegiada sobre o mar… Estávamos num lugar chamado Porto Covo, lugar magnifico, muito pacato… Para nós aquilo era o fim do mundo, mas um fim do mundo agradável. Ali, praticamente só havia uma rua, fazia a ligação do parque de campismo ao mar… Era a rua das lojas, dos restaurantes, dos artistas nocturnos, das esplanadas, de tudo… era “a” rua! Para nós, a única rua!
Mas nós lá íamos ver o que se passava… a actividade nocturna era a loucura!! O que mais marcava a paisagem era o mar e as caravanas, que na altura ainda se podiam estacionar junto aos precipícios. Claro está, que neste local os cafés e restaurantes fechavam quando a lua ainda mal se tinha visto, havia apenas um barzinho, cujo nome não me recordo, que albergava a juventude, mas às vezes preferíamos ir para as nossas tendas conversar. O ambiente do parque de campismo era envolvente, era propício a grandes conversas, facilmente trocávamos uma noite no bar barulhento por uma noite de conversas nas nossas tendas.

Tínhamos que inventar coisas para fazer durante a noite, e o que inventávamos!! Algumas são incontáveis, outra vale a pena partilhar. Hoje lembrei-me de partilhar uma destas noite com vocês.
Nesta noite, tínhamos ido ao café local, onde já nos conheciam por sermos um grupo bem disposto. Jogávamos snooker a pares, fazíamos equipas com outros campistas que não conhecíamos de lado nenhum. Bebíamos o famoso “Licor Beirão” muito antes de aparecer nos anúncios de televisão!

Depois de nos distrairmos com o jogo, e de termos gasto os trocos todos destinados a essa noite, regressamos às tendas. Habitualmente quando íamos para o parque montávamos a nossa mesa, jogávamos às cartas ou aos dados de poker. Tínhamos conversas interessantes, filosóficas demais para a nossa idade. Às vezes, o Vasco lá ia buscar a viola e nós tentávamos acompanhar, mas o reportório já se tornava repetitivo e desistíamos. Nesta noite jogámos, falámos, tocámos e cantámos, até que ouvimos a vizinha da tenda do lado “podiam cantar mais baixinho, não é que cantem mal, mas fazem muito barulho” – ora para cantar baixinho o mesmo reportório do costume, ainda por cima estávamos a incomodar... metemos a viola no saco e decidimos ir dormir!

Desmontamos a mesa e fomos para as tendas, claro que não era para dormir, ainda tínhamos que traçar os planos para o dia seguinte! Planos estes que nunca eram cumpridos, mas ao menos ficava registado o que cada um gostaria de fazer. O que o Vasco gostava de fazer era ir a pesca de manhã, mas gostava muito mais de dormir, por isso raramente ia a pesca! Eu, tal como o Vasco gostava era de dormir! Neste grupo não havia ninguém madrugador, mas se alguém se levantasse para fazer alguma coisa, os outros também se iam levantando, embora o que se levantava primeiro, já se levantava tarde! Na realidade, o que nos obrigava a levantar era mesmo o calor que se fazia sentir dentro das tendas… Às tantas era insuportável, mas chegávamos ao cúmulo de sair só quando já estávamos a transpirar! Éramos loucos, mas na altura ainda tínhamos tempo para gastar a dormir!

Nesta noite, não chegamos a combinar nada. Arrumámos a mesa e fomos para as tendas. Na minha tenda dormíamos três pessoas, na outra dormiam os pombinhos… éramos portanto cinco! Nessa noite, os pombinhos foram dormir, era o que eles diziam, mas nós bem os ouvíamos a sonhar alto!
Lembro-me de ter ficado a arrumar as coisas, as bolachas, o café, o açúcar, tudo! Porque as formigas e o sol matinal destruíam tudo, nada podia ficar entregue à natureza. Enquanto eu arrumava, os pombinhos desapareceram, ficaram por ali o Manel e a Marta que dormiam comigo. Eles foram andando para a tenda… Eu fui a última a entrar na tenda, quando entrei, eles, estranhamente estavam deitados com os olhos abertos e num silêncio profundo, um silêncio que me incomodou porque aquilo não era habitual… Normalmente ficávamos sentados a partilhar um pacote de batatas fritas, ou a comer daquelas porcarias que davam pelo nome de marchemelos, que assávamos na ponta do isqueiro! Esta noite não, esta noite deitámo-nos em silêncio! Em silêncio…

Sabíamos uns dos outros que não dormíamos, nenhum de nós estava a dormir, eu sabia porque sentia os olhos deles abertos. E esta percepção dos olhos abertos no silêncio estava a mexer comigo, estava a mexer com todos! Nenhum se atreveu a quebrar o silêncio… Este silêncio demorou algum tempo, o tempo necessário para começar a ficar confortável e para nos perdermos em pensamentos. Parecia que comunicávamos sem palavras, mantivemos um diálogo aberto sem saber o que outro dizia, estávamos na realidade a fazer um monólogo na esperança que aquela cabeça tão encostada à nossa ouvisse o nosso pensamento.

Sufocadamente saiu um suspiro da boca do Manel. A Marta não reagiu, eu também não. Continuámos imóveis… Dei por mim a reparar que nesta noite conseguia ver as estrelas através da tenta! Como é que eu nunca tinha reparado no céu?! A nossa tenda era uma canadiana, beije com uma cobertura castanha escura. Pouca luz passava, só a daquele candeeiro irritante que se ligava automaticamente sempre que passava alguém, ou às vezes, ninguém.
Perdi-me no meu pensamento, perdi-me deles quando me fixei no infinito do céu estrelado! Que magnífico! Era um céu ímpar, muito parecido com o meu céu encantado que só conseguia ver na minha aldeia, em Trás-os-Montes. Que espectáculo! Havia tantas, tantas estrelinhas, pequeninas e brilhantes, via-se nitidamente a estrela polar. Tentei descobrir as constelações, e algumas ali estavam, pareciam que iam cair e invadir o vazio da nossa tenda. Expectante, aguardava o aparecimento de uma estrela cadente para pedir um desejo, que desejo pediria se aparecesse? Dei por mim a viajar neste mar de céu e a gozar o momento, com a certeza de estar a partilhar com aquelas duas pessoas a mesma coisa - o céu do Alentejo! Só ouvíamos o bater dos nossos corações, o pestanejar dos olhos e as respirações. Subitamente o silêncio foi quebrado! O Manel falou entre dentes… “que cena!” foi o que ele disse.

Decidi quebrar o silêncio e perguntei à Marta em que é que ela estava a pensar;
- Sei lá, já pensei em tanta coisa! Mas agora estava a pensar no céu, no infinito, em como somos pequeninos! Não somos nada! Pensei em Deus, será que existe e nos está a ver aqui feitos parvos?! Pensei que amanhã estará bom tempo porque o céu está estrelado e que podemos ir à pesca! Pensei que ainda deve ser cedo porque a estrela polar ainda se vê aqui tão perto! Será que o nosso destino está mesmo escrito nas estrelas? Como é que isso é possível?! Estava a curtir este silêncio e a sentir que somos especiais, somos pessoas iluminadas como as estrelas… oh, sei lá, estava a pensar palermices! – disse a Marta com o seu tom de voz calmo e sereno.

Eu estava a pensar mais ou menos a mesma coisa, estava a curtir o céu! Na realidade, tal como a Marta, eu estava a pensar palermices! Finalmente, ainda deitadas, eu e a Marta deixamos cair as cabeças para o lado para encontrar o olhar uma da outra e sorrimos com uma ternura incrível porque nos entendemos num momento. Depois certamente tivemos o mesmo pensamento ao mesmo tempo; em que estaria a pensar o Manel?!

- E tu Manel, em que pensas? – perguntou a Marta virando a cara para o outro lado.
- Eu… nem sei se estou a pensar. Eu estou simplesmente perplexo com vocês! Vocês são incríveis, não existem!! Como é que é possível?!

Eu fiquei surpresa com esta resposta porque não percebi, a Marta voltou a olhar para mim com aquele ar habitual do “o que é que se passa com ele agora?! Passou-se!”. Portanto, o Manel estava noutra, eu e a Marta estávamos na mesma sintonia! Fomos novamente interrompidas pelas palavras agressivamente calmas do Manel. Parecia indignado, pasmo - e estava!

- Vocês só podem estar a gozar comigo! Estão para aí feitas parvas a olhar para o céu… e as estrelas e as estrelinhas… que somos pequeninos… que Deus isto e aquilo… Eu estive a pensar em quem é que nos terá feito isto à tenda!

“ISTO o quê?!” Perguntei a mim mesma, sobressaltada!

De repente, saí do meu transe e cai na realidade!! De facto, o Manel tinha razão… a tenda estava completamente destruída! Comecei a reparar naqueles farrapos castanhos pendurados, pareciam estalactites de tecido! Eram rasgões enormes! Autênticos buracos no tecto, que nessa noite nos deram acesso a uma imagem completa do céu!

Eu e Marta curtimos o céu sem nos apercebermos do que tinha acontecido à tenda! Senti-me enganada na minha própria estupidez e distracção. O Manel deve ter ficado pasmado com o nosso alheamento! Como eu o compreendi!
Como foi possível que um pedaço de céu deslumbrante nos distraísse de uma realidade que estava mesmo em frente aos nossos olhos?!
Esta noite marcou-me para sempre, marcou-nos aos três. Aprendemos, porque todos erramos nessa noite; o Manel só viu a tenda destruída e por isso não apreciou o céu, eu e a Marta só reparamos no céu, mas foi tão cegamente que nem nos apercebemos do estado da tenda!

Nessa mesma noite, dormimos ao relento. Os três juntos, cada um a pensar sabe-se lá em quê.

Foi o último verão que passamos juntos. Foi o último momento em que aprendemos alguma coisa juntos. Foi "o" momento em que aprendemos, com uma coisa tão simples, a compreender a vida.
Aprendemos que se devemos viver os sonhos, não esquecendo que existe a realidade...

Hoje, o Manel é um homem demasiado céptico, a Marta é uma sonhadora problemática… eu, não sei o que sou.

(qualquer semelhança com a realidade é coincidência... apenas alguns pormenores são reais, tudo o resto foi sonho)

AS