terça-feira, outubro 19, 2010

SABER CUIDAR


No outro dia, em conversa com uma amiga, ela revelou-me que a sua palavra preferida do dicionário era “cuidar”. Inicialmente fiquei surpreendida por alguém ter uma palavra preferida no dicionário. Eu que gosto tanto de palavras, não tenho uma palavra preferida no dicionário!! Há loucos para tudo... Realmente, ter uma palavra preferida no dicionário não é coisa que se pense, ou que se saiba. Digo eu! Vocês sabem isto sobre vocês? 
Depois fiquei a pensar na palavra “cuidar”. É uma boa palavra!  À partida parece não dizer grande coisa, mas pensando bem, até tem algum sentido que se fale dela. A mim, fez-me pensar... E aqui está mais um devaneio dos meus: 


Nem gosto muito da palavra...  se tivesse uma palavra preferida seria “verdade”.
Tanto o “cuidar”, como a “verdade” não são para qualquer pessoa. Definitivamente eu não sou uma boa pessoa para cuidar de ninguém, mas sou óptima para dizer as verdades, mesmo que doam! Mentir não é comigo, detesto a mentira!! E detesto a omissão - que considero uma mentira...  Tenho uma certa dificuldade em distinguir a mentira de um segredo... Eu não minto (muito), mas tenho (muitos) segredos! Ocorre-me agora que “segredo” também é uma boa palavra!

Mas o verbo “cuidar”:
Cuidar de plantas para mim é desastroso, morrem todas, parece que ficam deprimidas com a minha presença! Sempre que olho para elas, estão murchas... Ou as afogo, ou as deixo secar! Na verdade, temos que conhecer as plantas para conseguir cuidar delas. São como as pessoas, temos que as conhecer para sabermos cuidar delas - amá-las, portanto!
Assumo que nunca me dei ao trabalho de conhecer plantas! Sei que a maior parte gosta de água e de luz, outras nem por isso. Mas só percebo que algo está errado quando estão numa fase terminal! E quando começam a morrer, pronto, desisto logo delas. Deixo-as padecer serenamente no seu vaso de terra... (isto até parece mal ser dito por uma engª do Ambiente, mas é a "verdade"!).
Gosto de plantas, de jardins, de flores, mas cuidar delas dá muito trabalho. Talvez não goste tanto assim, mas gosto de as ver bem cuidadas - por outros!
Cuidar de animais, parece-me mais fácil! Com animais safo-me mais ou menos, porque são seres vivos que se queixam - ou têm fome, ou têm sede, ou a areia está suja ou têm falta de mimo! Certos animais "falam"! As plantas não! Tenho 2 gatos que amo. Também tenho um aquário de água quente com peixes, mas como os peixes não se queixam, volta e meia lá aparecem afogados no aquário... Sou um desastre a cuidar do que quer que seja! Não se preocupem, os gatos estão entregues aos cuidados duma amiga, são mais dela que meus! Pronto, são dela! Os peixes, paciência, estão ao meu cuidado! Mas como sabem, os peixes tem um tempo de vida curta, não percebo se morrem de velhice ou de fome. Acho que é de velhice, ou pelo menos é nisso que acredito. Se fosse de fome, morriam todos! De fome não devem morrer.. eles bebem água, ou comem as cacas uns dos outros... (penso eu, quando vejo algum a boiar). Vá morre um de vez em quando, e são daqueles mais pequeninos... não é muuuuito grave! O aquário tem muito espaço (90 Litros), também não morrem de falta de ar! Morrem de velhice, sem dúvida!
É frustrante ter esta limitação de não saber cuidar... Mas pronto, ao menos sou uma pessoa que assume as limitações!

O que eu consigo fazer mais próximo de “cuidar” é “tomar conta”. Mas na realidade são duas coisas completamente diferentes! Cuidar é contínuo no tempo, tomar conta, é uma coisa temporária... Para cuidar é preciso ter arte, é preciso ter nascido com essa capacidade, com esse dom! Eu, definitivamente, não nasci nem com a arte, nem com o dom! Cuido por preocupação e por amor... Tirando duas ou três pessoas que amei e cuidei, não tenho paciência para cuidar de nada nem ninguém! É que do meu ponto de vista, cuidar dá realmente muito trabalho, esgota-me! Tem que se conhecer o que precisa de cuidados e tem que se ter muita paciência. Paciência também é coisa que Deus se esqueceu de meter no meu pacote... é pena! (já tive menos!).

Sei que não é uma limitação apenas minha, mas de meio mundo! Nem toda a gente sabe cuidar de mim... Algumas pessoas foram uns completos desastres nessa arte! Eu sei que sou uma chata, e uma mimalha – saí à minha avó!! Mas não sou só eu que não sei cuidar, há muita boa gente que não sabe fazer isso!! Diria até, a maior parte das pessoas não sabe cuidar! São raras as pessoas que o sabem fazer, e estarão em vias de extinção! Tudo o que dá trabalho e não tem retorno visível é de descartar. A maioria das pessoas quando dá, espera! - é assim o ser humano! Portanto, cuidar só pelo prazer de cuidar, parece-me que é só para os santos.. e para as mães (algumas!). 
Por exemplo, cuidar da minha avó que amo e amo dá muito trabalho, porque ela é muito exigente, tem muito mimo... mas às vezes “tomo conta” dela... Atenção! - não cuido, tomo conta!! Cuidar, cuidar, cuida a a minha tia! A minha tia também sabe cuidar muito bem de plantas... São pessoas especiais, pronto! Esta minha tia deve ser santa... é!!

E será que fazendo um esforço conseguimos cuidar bem das coisas? - Conseguimos, mas lá está, temos que fazer um esforço! Já pressupõe sacrifício, já se cobra, já nos cansa... Há aqueles que o fazem por prazer, sem esforço! Não cobram, nem se queixam... Cuidar deve cansar imenso o espirito e o corpo. Não acredito que alguém cuide sem dizer um “ai”, talvez os santos que já estão nos altares das Igrejas... Aos outros chamamos-lhe os benfeitores, os enfermeiros (alguns, que outros são umas cavalgaduras, como diz a minha avó!), os assistentes sociais, os padres, os voluntários, os professores, as amas... Bem, estou agora a pensar que há profissões que exigem que se saiba cuidar, mas a verdade é que nem todos o sabem fazer, nem mesmo depois de aprenderem durante o curso como se deve cuidar!! (não sei se há alguma cadeira na universidade que se chame “como cuidar”, acho que não!) Há médicos, enfermeiros, professores, padres, assistentes sociais e amas, que são autênticas bestas, acho que até eu fazia melhor! Distingue-se os excelentes profissionais, dos profissionais normais conforme a aptidão natural para as coisas que fazem. Há o professor e o excelente professor! Há o enfermeiro e o excelente enfermeiro! Há o médico e o excelente médico, o advogado e o excelente advogado... por aí fora! A diferença de um para o outro é a paixão e a dedicação com que fazem as coisas - o fazer com dom, ou sem dom! Eu não tenho dom nenhum, se o tenho, ainda não o descobri. Não sou excelente a fazer nada, mas sou um desastre a fazer muita coisa! Bem, eu tenho dons, mas são realmente inúteis!

Para cuidar, é preciso ter paixão! E ter paixão para cuidar não se aprende na Universidade! Eu detesto enfermeiros, sempre com a ponta da agulha para nos enterrar no rabo! Venha com paixão, ou sem paixão! Ou o médico, sempre com o pauzinho pronto para nos enfiar na garganta! Ou com as luvinhas para abrirmos as pernas! Venha com paixão, ou sem ela... Gosto de ouvir um professor com paixão... Gosto de ouvir uma mãe apaixonada pelos filhos. Gosto de um advogado que defende com paixão... Gosto de pessoas apaixonadas pelo que fazem! Depois há profissões que nos conquistam mais que outras. Um excelente enfermeiro até me pode falar da forma apaixonada como cuida dos doentes, mas não me venha cá enfiar a agulha nas veias e dizer que vai cuidar de mim, que não me encanta!! Um excelente professor sim, encanta-me só por me ler uma história para crianças... Eu não falo com paixão sobre nada, falo é de uma forma apaixonante sobre tudo! (disseram-me isto e ainda hoje penso se foi um elogio, se foi uma crítica).

Ora, entendo que quem cuida, ama! E amar quase desconhecidos, (os doentes, os filhos dos outros, os desprotegidos, os abandonados, etc, etc) não é para mim!
Se uma amiga minha me perguntasse se podia tomar conta dos filhos durante a noite, não teria qualquer problema! Eu sei tomar conta, é só olhar por eles. Brincar um bocadinho, dar de comer, dar um soníforo para dormirem e já está! Agora cuidar... Não me venham cá pedir isso! Eu sei muito bem a diferença quando oiço estas palavras; “tomar conta”, “ter cuidado” e “cuidar”! O “cuidar” é a única que me assusta...

Gosto que cuidem de mim, e têm que o fazer bem feito!! Como eu faria! Como faço com a minha avó, ou como a minha avó fazia comigo. E até sou exigente, porque sei que quando cuido, cuido muito bem! Eu sou muito extremosa com as pessoas que amo, não lhes falta nada no leito da doença, mas lá está, é um curto espaço de tempo – enquanto estão doentes! E rezo para que lhes passe rapidamente – por eles e por mim! Quando amo muito, desejo até ficar com as suas dores (só me aconteceu uma vez e era porque a dor me parecia suportável – era uma paralitica dolorosa nas costas, ou lá o que era aquilo!)

Resumindo, “cuidar” não se aprende. Nem se ensina! Está na alma das pessoas. A minha alma também não pode ter espaço para tudo... Infelizmente tem espaço para muitas coisas que não servem para nada! Senão eu seria um ser quase perfeito, e só eu e Deus sabemos os defeitos que tem a minha alma... As qualidades são muitas mas até agora não me serviram para nada – são fraquinhas! Os defeitos não, esses são defeitos como deve de ser – em grande!

Olhem, eu nem de mim sei cuidar, para quanto mais cuidar dos outros. Não percebo quando alguém precisa dos meus cuidados! Só se estiver a morrer, e tem que me dizer... e mesmo assim, sou capaz de fazer algum disparate! Eu sou do melhor que há, sou um desastre ambulante! Sou aquilo a que as minhas amigas dizem uma “estás-te a cagar!” Não é que esteja, mas pronto, sou distraída! É que não percebo onde doí, porque doí, como aliviar a dor... Sou meia homem!! Cabeça no ar, desinteressada e desastrada... Acho que é a minha frontalidade que me torna um desastre, a verdade magoa e por vezes é inútil... Mas sei dar bons conselhos! Chamem-me o que quiserem, mas não é por aí que se mede a amizade, ou amor que temos pelas pessoas! Eu gosto e amo, mas não o faço de uma forma atenta e carinhosa... Não saberei amar.. Faço-o à minha maneira! Mas eu sei dar mimo! Mimo bom, mas é durante pouco tempo! E quem gosta de mim, bem sabe que eu sou assim!! Se eu fosse de outra maneira deixava de ser eu, certo? Qual era a piada?

E ainda... “cuidar” do meu carro! - não sei cuidar dele... Parece que é o carro dum homem das obras, mas ninguém gosta mais do meu carro que eu!! E bem estimado que está! Ainda anda depois de tantos trambolhões que deu! Acompanha-me há 15 anos - desde sempre - e não o trocava por outro! Nem ele a mim! É amor ao carro, mas lá está, não sei quando mudar o óleo, quando mudar os pneus, quando mudar as pastilhas... ele que se queixe - que é o que faz – e aí, sim, tenho que cuidar! O verbo cuidar é quase transversal na vida - temos que cuidar de nós próprios, dos outros e das coisas! Daí a dificuldade...

Esta minha limitação, confesso aqui, provoca-me pavor a pessoas acamadas, ou a deficientes! Não me peçam por favor para cuidar destas pessoas! Morriam nas minhas mãos, é que era logo! Pumba! Morriam! É por isso que admiro muito as pessoas que sabem cuidar destas. Admiro mesmo! Não as entendo, mas admiro-as! Porque é que não tenho filhos? É mesmo por saber esta limitação, saberia lá eu cuidar de uma criança... Dizem que o instinto maternal vem e tal, que aprendemos sozinhas, que nasce em nós... e se não nasce?! Entrego a criança à amiga, como se fossem aos gatos, não?! É grave, é muito grave esta limitação... Eu poderia ser um excelente pai, mas mãe, não me estou a ver... E pai, parece-me impossível! Portanto, mais vale estar quieta – não virgem – mas sem filhos! Graças a Deus, nem sequer tenho o instinto maternal, como algumas amigas da minha idade.. Coitadas! Elas que os tenham que eu vou visitá-los! Safa! E se for preciso até tomo conta deles... Cuidar, esqueçam! Eu sou terrível com as crianças, sou pior que elas, deseduco-as num instante, mas adoram-me! Caras amigas, crianças não cuidam de crianças, tá!? Crianças juntas fazem disparates, divertem-se! 
Amo uma criança, divirto-me com ela e adoro os disparates! Desta criança não me importaria de cuidar, mas é porque a amo! Conheço-a, sinto-a. Sei que ao tomar conta dela, estaria na verdade a cuidar! É preciso uma amor profundo para eu cuidar sem perceber que estou a cuidar. É um cuidar inconsciente, provocado pelo amor! Percebem-me? 

Não vamos confundir amor, com amizade! Amizade, é uma cena muito diferente de amor, não me venham com filosofias... Eu felizmente sei o que é o amor e sei o que é a amizade! São coisas completamente diferentes... Sentem-se coisas diferentes, agimos de formas diferentes. Amo melhor do que sou amiga - amo com uma entrega constante, sou amiga com uma entrega intermitente! Não sou a excelente amiga, mas adoro os meus amigos! São assim a coisa mais importante para mim, mas não posso cuidar deles... Não posso porque não consigo. Tenham paciência, só eu sei o que lamento ser assim! Nasce-se assim, com esta deficiência!

Bem, resumindo; eu para cuidar preciso de amar! Amar, amar! Amar de amor, de paixão, de companheiro, de amante... Esse amor, que nos enlouquece, que nos transforma, que nos muda, que nos faz melhores sem darmos por isso, que nos faz desejar as dores do outro...

E pronto, não disse nada daquilo que pensei que ia dizer, mas disse mais uns disparates, certo?!

Todos temos um papel a desempenhar neste mundo... talvez a palavra preferida no dicionário esteja relacionada com isso, não sei.
Pensem na vossa palavra preferida no dicionário e quem sabe não concluam alguma coisa sobre vocês. 


3 comentários:

OC disse...

nunca pensei que a palavra te inspirasse tanto, mas uma coisa é certa fizeste-me sorrir... tento sempre cuidar o melhor que posso das minhas "flores" das adversidades físicas e psíquicas mas nem sempre é fácil...queres fazer parte do meu jardim?
OC

Alma disse...

OC: Tu é que sabes, cada um cuida do seu jardim... Tu fazes parte do meu, mas como erva daninha - não é preciso cuidar mas está sempre lá - eternamente! Bj

Michelle Trindade disse...

Nossa .. vc fez um verdadeira Tese sobre o ato de cuidar.. ficou legal..